O enigma de Espinosa - Irvin D. Yalom

A história do filósofo judeu que influenciou uma das maiores mentes nazistas

Irvin D. Yalom se vale de documentos históricos e recursos ficcionais para retratar dois personagens que existiram de fato, um do bem e outro do mal: o filósofo português de origem judaica nascido na Holanda, Baruch (ou Bento) Espinosa (1632-1677), e Alfred Rosenberg (1893-1946), conselheiro de Hitler e o principal teórico do nacional-socialismo. Mais de trezentos anos separavam os dois homens; a conexão entre eles se deu através de outro famoso escritor e pensador, o alemão Johann Wolfgang von Goethe, ou simplesmente Goethe (1749-1832), grande admirador de Espinosa.

Resumindo bastante a trama de O Enigma de Espinosa: Rosenberg, para quem Goethe era uma das maiores expressões da raça e do pensamento ariano, não conseguia entender como o gênio alemão pudesse um dia ter admirado Espinosa, se inspirado na filosofia de um membro da raça inferior que os nazistas estavam determinados a exterminar não apenas na Alemanha, mas da face da Terra. Toda essa história nos é contada por Irvin D. Yalom num volume de cerca de quatrocentas páginas dividido em trinta e três capítulos, um epílogo e mais um adendo: Fato ou Ficção? Esclarecendo as Coisas. Nos capítulos ímpares temos a história de Espinosa, nos pares, a de Rosenberg, tudo muito fácil de acompanhar. E sempre narrado de modo interessante.

Quem leu o best seller Quando Nietzsche Chorou não vai estranhar tanto assim essa outra narrativa de Yalom. Se as ideias nazistas todos conhecemos facilmente e as abominamos, Espinosa, no entanto, não é um filósofo fácil de se ler e entender, tal qual Nietzsche. Através dessa obra Yalom resume os principais pontos do pensamento do autor de Ética e Tratado Político. Obras que o tornaram um dos mais originais pensadores do mundo ocidental, mas consideradas heréticas por muitos desde o início. Desse modo, Espinosa foi rejeitado por sua própria comunidade em Amsterdã e mesmo excomungado depois, com severas restrições. Suas principais ideias são aqui demonstradas didaticamente, através de diálogos mantidos com outros personagens (nesse caso eles são fictícios, mas podem ter ocorrido, conforme é destacado no adendo Fato ou Ficção) ou da reflexão do próprio personagem.

Espinosa em certa medida é um pensador cartesiano, pelo modo de expor suas ideias, mas outro filósofo, porém da Antiguidade Clássica, o grego Epicuro, é que é citado muitas vezes por tê-lo influenciado com seu conceito de "ataraxia", que seria a obtenção do prazer mediante a prática da virtude, que acreditava ser o único bem superior do homem. Espinosa nunca se casou, vivia e se alimentava simplesmente, fabricava lentes para microscópios e telescópios para se sustentar, sobretudo almejava a paz de espírito, a tranquilidade, a calma, a eliminação das preocupações, da ansiedade (todos sinônimos de ataraxia), buscava insistentemente esse estado de coisas para si. No entanto ele é considerado um filósofo revolucionário, um demolidor de superstições (basicamente de crenças religiosas) porque não acreditava, entre outras coisas, que o Antigo Testamento pudesse ter a antiguidade que lhe conferia a tradição teológica.

Segundo ele a Bíblia não passava de uma série de livros escritos por homens e não uma obra de revelação divina. E Deus, quem seria? Deus é Natureza e a Natureza é Deus, substância única. Neste trecho, através de Yalom, claro, Espinosa explica a um seguidor o que entende por Natureza (Deus):

“Não me refiro a árvores, florestas, relva, oceano ou qualquer outra coisa que não seja feita pelas mãos do homem. Refiro-me a tudo que existe: a uma unidade perfeita, absolutamente necessária. Por “Natureza” designo o que é infinito, uno, perfeito, racional e lógico. A causa imanente de todas as coisas. E tudo que existe, sem exceção, funciona de acordo com as leis da Natureza. Portanto, quando falo de amor à Natureza, não estou me referindo ao amor que você sente pela sua esposa ou pelo seu filho. Estou tratando de uma forma diferente de amor, um amor intelectual. Em latim, a formulação que adoto é Amor dei intellectualis.” Entendeu?

Desse modo, não existe criação, Adão e Eva, e mais: religião não combina com filosofia e quando aliada ao Estado a religião constitui uma ameaça à liberdade de pensamento, acreditava Espinosa. Com esse ponto o nazista Rosenberg concordava plenamente, com outros também, vamos descobrindo durante a leitura. Quando da invasão alemã da Holanda ele se incumbe de saquear a biblioteca de Espinosa, quer conhecer e possuir todos os volumes que o filósofo reverenciado por Goethe teve em mãos um dia, resolver o enigma que dá título a mais um saboroso livro do psiquiatra e escritor Irvin D. Yalom.

Irvin D. Yalom - O enigma de Espinosa, Rio de Janeiro, editora Agir, 2013