A procura de Sana - duas palestinas, dois deuses

UMA HISTÓRIA DE AMIZADE E AMOR

Um conhecido romancista está em uma feira literária na Austrália, e encontra uma admiradora. Algo muito normal na carreira de um escritor, se não fosse o insólito acontecimento após o encontro. O escritor norte-americano Richard Zimler estava promovendo seu romance mais recente, no Encontro de Escritores de Perth, e uma dançarina palestina lhe interpela sobre um livro que influenciou fortemente sua vida. O livro em questão era O último cabalista de Lisboa, um romance histórico que narra os assombrosos acontecimentos do pogrom de 1506 em Lisboa. A moça, que estava ali com um grupo de dança brasileiro para apresentar um espetáculo que combinava mímica e dança, relata a Zimler: “(...) Seu livro serviu para pôr em ordem algumas coisas... não, não é isso... ajudou-me a ver as coisas mais devagar, de maneira que pudesse analisá-las devidamente e descobrir o que faço. Mesmo o que não me agrada no livro, os defeitos, acabaram por parecer não ter grande importância. Seu romance é como uma vida vem vivida (...)”. O autor, judeu de Nova Iorque, autografa o livro e a moça da mesma forma que chegou se despede subidamente. No outro dia, Zimler tomava seu desjejum, quando um corpo estilhaça a cobertura de vidro e caí a sua frente, era a dançarina, tinha suicidado.

À procura de Sana (The search of Sana, tradução de José Lima, adaptação para o português do Brasil Sílvia Kaczan, Relume Dunará, 276 páginas, R$ 39,90), novo livro de Zimler, explora ficção e realidade, em uma história meio que autobiográfica, onde o autor se faz personagem para lidar com a narrativa. Aqui, diferente de seus romances históricos, coloca a história israelense-palestina em seu cotidiano antes dos fatos atuais.

Narrado em primeira pessoa, o romance, mostra Zimler transtornado sob o terrível acontecimento e pensando na hipótese de que teria influenciado a decisão daquela leitora, e passa a investigar a vida daquela dançarina árabe. A investigação começa a dar forma, quando o narrador encontra Helena, uma israelense que vive em Paris, a jovem era amigo de infância de Sana, nome da dançarina. As duas tinham nascido no mesmo ano, setembro de 1946, num bairro misto de árabes e judeus em Haifa, numa época que a convivência entre os dois povos ainda era pacífica. Os pais das duas meninas são imigrantes, os de Helena, provenientes da Europa e os de Sana, vindos do Egito. As duas famílias sofreram os revezes da intolerância, uma pelo Holocausto, a outra por soldados de Israel, experiências que estabeleceram nos vizinhos um vínculo tão forte, que sobreviveu por décadas, pelo menos para as duas meninas.

À sombra do Monte Carmelo, Zimler conta a infância das duas garotas, e ao longo do crescimento de Sana e Helena, a turbulenta história de Israel e da Palestina. Um dos pontos cruciais da trama, que dar uma reviravolta no enredo, é o sofrimento que Jamal, irmão de Sana, passa nas mãos dos soldados israelitas, que leva Sana a uma vingança pelo mundo de Israel ao Sudão, das lideranças palestinas à rede de Osama bin Laden.

Duas histórias uma de amizade e outra de vingança, ligadas pela pena de Zimler, que consegue confundir as fronteiras da realidade e da ficção, deixando o leitor surpreso pela trama desenvolvida pelo escritor.

Em entrevista disse: “achei importante escrever um livro em que o terrorismo não é visto como um conseqüência de loucura mas da violência sistemática praticada por um governo sobre as pessoas e também da propaganda do fundamentalismo. Queria dizer que talvez pudéssemos ser todos terroristas em circunstâncias iguais às da Sana. E, se ela é louca, é só porque o sofrimento dela provocou essa loucura.”

Uma bela história, comovente e forte.

Cadorno Teles
Enviado por Cadorno Teles em 09/11/2007
Código do texto: T730557