Triste fim de Policarpo Quaresma - Relatório
Triste fim de Policarpo Quaresma – Editora Bom Livro, 2010, 24ª edição
• Lima Barreto trabalha no romance, entre outros temas, a política, a questão do patriotismo e utiliza as relações sociais (principalmente da uma classe média incipiente), que mora nos subúrbios do Rio de Janeiro para fazer sua crítica pessoal através de sua obra literária.
• O personagem principal do romance é Policarpo Quaresma, um amanuense que trabalha na Secretaria da Guerra e que desde sua mocidade (20 anos) tem uma visão patriótica do Brasil. A forma ufana de enxergar o mundo vai tomando proporções cada vez maiores em Quaresma, isso faz com que o mesmo passe a dedicar paulatinamente sua vida a projetos que buscavam pensar um país nacionalista e que valorizasse suas riquezas naturais e culturais, apesar de em suas ambições não haver nenhuma pretensão política.
• Quaresma é vizinho de Albernaz, um general que conta sobre grandes batalhas, incluindo a Guerra do Paraguai, sem nunca ter estado em nenhuma dessas batalhas, em toda a sua vida militar fora assistente de gabinete, cumprindo ordens. Logo no início aparece em uma festa na casa de Albernaz, Bustamante, militar com características parecidas com as de Albernaz também conta sobre guerras que nunca participou.
• Uma das principais características de Quaresma é a sua índole pacífica e a sua humanidade que se destaca do início ao fim do livro. Sempre se preocupando com a filha de Albernaz, que passa por problemas psicológicos devido não ter casado, problema esse que passa despercebido pelos amigos, porém Quaresma se preocupa mostrando sua humanização, coisa que não acontece com ele, quando o mesmo precisa dos préstimos de Albernaz. Quando no seu sítio, Quaresma é confundido com uma pessoa de má índole por se portar de maneira humana e solidária, sempre procurando ajudar sem partidarismo, os políticos e os moradores locais começam a acreditar que sua bondade era puro interesse político em não desagradar nenhum dos lados.
• O general Albernaz se destaca na trama como um sujeito limitado em relação a ideias, com uma propensão ao senso comum e uma pessoa que aprecia o combate físico e o militarismo como paixão. Com ênfase nesse perfil aparecem outros personagens que defendem o militarismo. O positivismo é pouco citado diretamente, porém pode-se perceber ao longo da obra de Lima Barreto, menções indiretas ao mesmo, sempre utilizado em forma irônica por Lima Barreto. Também utilizando ironia, Lima destaca que Albernaz se orgulhava de há mais de quarenta anos não pegar em um livro para ler; crítica clara não apenas à mentalidade da época, em que livros eram considerados coisa de pessoas com nível superior, mas também a um perfil típico de alguns militares, que exaltam a ignorância e a força bruta. Há também personagens que se utilizam de livros para obtenção de conhecimento com finalidade de ascensão social, sendo assim, Lima Barreto destaca o pedantismo dessa classe média.
• Lima Barreto apresenta as relações dessa classe média como sendo em sua grande parte relações de interesses e nunca de busca pelo bem-estar do ser humano como um todo. Desde Albernaz, que tinha como pretensão apenas realizar os casamentos de todas as suas filhas, (condição necessária para uma família bem-sucedida no período), até seus futuros genros, que buscavam os casamentos em sua casa como uma forma de ascensão social. As relações pessoais são colocadas por Lima Barreto como interesses que se alcançam através da bajulação e interesses camuflados de amizade, decência, companheirismo etc. Era com essas atitudes, segundo Lima que se atingia os principais cargos da República.
• República essa que sofre diversos ataques ao longo da obra. Ataques hora diretos, hora indiretos, porém sempre vista na obra como um balcão de negócios em que se podia conquistar aquilo que se almejava dependendo das influências que se tinha em meio a burocracia que imperava.
• Também é falado sobre as patentes do exército, patentes essas que eram conseguidas em trocas realizadas internamente. Havia pedidos de revisão de patentes com finalidades de se aumentar não apenas o prestígio, mas também o salário.
• Assim como em outras obras, Lima relata sobre a desordem em sessões da Câmara e em especial o deboche a um projeto no qual Quaresma com um intuito patriótico solicita a troca na utilização da língua portuguesa pelo tupi.
• Após um surto, Quaresma é internado em um hospício, e em sua alta, compra um sítio e vai morar lá, com o intuito de descansar a mente, porém na ânsia de provar que as terras brasileiras eram as mais férteis e que os políticos deveriam investir na agricultura.
• Há em alguns momentos nesse sítio, (Sítio Sossego), a comparação entre as ciências e a cultura popular. Um ex escravo é o funcionário de Quaresma e lhe auxilia nas questões agrícolas. Através dessa e de outras cenas pode-se perceber a forma como os descendentes de africanos em geral e o povo humilde é retratado por Lima Barreto em sua obra, sempre com um olhar atencioso, complacente e de completa indignação, devido as mazelas impostas a esse povo pelo sistema político e seus principais atores. Lima Barreto trata os negros, o povo pobre e toda a população humilde com carinho e sempre os coloca em posição de seres puros e sábios, Anastácio, o funcionário de Quaresma é um exemplo. Essa exaltação da simplicidade acontece em toda a sua obra. Ele descreve em sua obra os subúrbios e a pobreza, a dor, mas também as alegrias e tudo isso atrelado as consequências da política praticada por “caciques” que não defendiam ideias e sim interesses, podendo mudar de opinião de acordo com a situação.
• Em uma festa na casa de Albernaz Lima destaca um local onde todos comem bem, vestem bem, dançam e ao mesmo tempo falam sobre guerra, banalizando as desgraças da mesma, diminuindo o valor da vida e apenas preocupados em defender algo que nunca tiveram presentes. Há um contraste entre a vida e a morte, e menosprezo por um estado de violência.
• Lima Barreto demonstra ter consciência de sua situação social, denuncia a Belle Époque e o funcionalismo público da época. Com isso ele busca mostrar a preocupação da República em esconder o Império, porém a sua ineficiência em diminuir a pobreza.
• Quando Quaresma vai morar no sítio, se destacam as questões políticas do meio rural, partido de oposição e de posição que se digladiam em nome de interesses próprios de seus integrantes e que se utilizam também da burocracia governamental para convencer ou coagir os moradores locais. Porém quando há uma “necessidade” esses partidos se unem esquecendo ideologias e diferenças, tudo em clara tentativa de manter as coisas como estão.
• Como consequência dessas lutas partidárias Lima destaca a miséria geral da área rural, a falta de cultivo, que as autoridades tinham intenção de permanecer, a pobreza das casas e a falta de motivação dos moradores. Quando um “cacique” político vai visitar Quaresma, percebe que as plantações do mesmo estão sendo devoradas pelas formigas, esse “cacique’ enfatiza que no sítio dele isso não acontece. Isso demonstra indiretamente que havia solução para o caso, porém não era a intenção das autoridades resolver os problemas locais.
• Também na área rural Lima Barreto dá ênfase ao auxílio que o governo presta aos estrangeiros, deixando de lado a gente da terra, porém, em nenhum momento há xenofobia em seu relato, pelo contrário, Lima Barreto destaca em sua obra, qualidades tanto em italianos, portugueses, africanos ou qualquer outra etnia. Ele coloca todas esses trabalhadores como seres que estão sendo explorados pela má fé de latifundiários que não tem pretensão de desenvolver determinadas regiões, e sim explorar o seu semelhante o máximo que puder. Nesse trecho, percebe-se que apenas com a ajuda do governo a questão rural tomaria um rumo diferente e que essa ajuda não viria, por falta de interesse tanto por parte das oligarquias quanto do próprio governo.
• O livro também trata da Revolta da Armada e Lima Barreto se utiliza desse acontecimento para destacar uma suposta indolência de Floriano Peixoto, ele seria um ser que não passava de um sujeito mediano que havia chegado ao poder sem interesses patrióticos e sim por interesses pessoais que o motivaram. Lima o descreve às vezes com ironia, outras vezes o “dissecando” com clara repugnância. Mostra o seu descaso com a coisa pública e mais uma vez a bajulação que o cerca em busca de interesses de seus subordinados. Em alguns trechos, Floriano é descrito com o título de ditador. Também é destacada a violência política, o uso da autoridade para autoritarismo, as mazelas de uma ditadura e os seus efeitos na população mais pobre, população essa sempre exaltada em toda a sua obra.
• Também se dá destaque na obra aos soldados que eram colocados à força nos batalhões e que muitas pessoas se escondiam para que não corressem o risco de servir involuntariamente. Ricardo Coração dos outros, menestrel amigo de Quaresma é um desses exemplos, ele é capturado, levado à força para servir, proibido de tocar seu violão e lhe é tirada toda a humanidade.
• Também é destacada a falta de humanidade na guerra, a involução do ser humano que “volta” aos tempos mais remotos quando se trata de barbárie e, o esquecimento da “civilização” que era tão exaltada naquele período onde a tecnologia estava em destaque. Quaresma destaca que as forças mais sombrias que podem haver dentro do ser humano são colocadas em prática na guerra. Tudo isso é relatado em uma carta de Quaresma à sua irmã, carta essa, notadamente uma crítica do autor às violências da guerra.
• Ao final, depois de se arrepender de seu patriotismo, pois a obra é uma crítica ao mesmo, Quaresma é preso por escrever uma carta ao presidente denunciando os maus tratos dados aos prisioneiros. Sendo esse personagem um ser que deu a vida pela pátria, foi tirado da pátria pelo simples fato de se indignar com as perversidades cometidas por aqueles que deveriam cumprir seus deveres como cidadãos.