PARTO (Inês Hoffmann)

Chegou-me às mãos, por intermédio de seu pai – o incansável Nelson Hoffmann – o début de Inês Hoffmann na literatura: "Parto".

Se o mesmo foi à fórceps, cesárea ou normal, não sei. Mas eis que tomo seu "filho" nas mãos e sou contagiado pela luz de seu semblante. A "cria" de Inês tem o corpo perfeito, todo negro, e um apontamento de face(quebrada, branca, triste), recolhido na internet, faz as vezes de sua cara.

O título e a capa enganam. Até a orelha do livro disfarça. Imagina-se um lirismo pueril, dark, contornos evanescentes de maternidade, observações de "poexistir". Mas não. O que salta das páginas são transparências, cristalinidades, ingerências enervadas de uma cabeça que tem um coração em cada olho. "Parto" é pura emoção:

"Concedi a mim

o indulto dos inocentes."

"Parto",, pg. 35

ou

"Desde que nascemos,

viver é separar"

"Cativo", pg. 56

São mostras opusculares de que o olhar da poeta está debruçado sobre a ponte, rendendo-lhe pormenores de memórias e intuindo-lhe a marcha para a frente. Outro exemplo:

"Não pode escapara

da realidade

que me mostra

a face escancarada

à minha frente

todos os dias."

"Refúgio" , pg. 54

À maneira de Bandeira, a poeta Hoffmann burila jóias como ourives desinteressado. Não há métrica linear que possa tecnificar seus versos, que são brancos, sem cerzimentos bruscos, sem rimas claras, apenas o ritmo ameno de um vento de fim de tarde:

"No horizonte

céu esfumaçado de vermelho

círculo do sol a se pôr.

Anoitece lentamente."

"Dominatio", pg. 49

e com eles, e por eles, somos conduzidos ao úbere materno, não da Inês-mulher, mas da Terra Gaia, mãe de todos, mãe da Inês. Gaia protetora daqueles que

"Ouvem meu coração,

mas não o vêem

estraçalhado."

"Assepsia", pg. 52