Memórias de Cibele

Ao longo da leitura do livro “Memórias de Cibele”, entrei em contato com as diversas experiências que ocorreram durante a trajetória de vida de Cibele, sejam elas adquiridas através dos contextos que circulou na infância, adolescência ou na fase adulta, todas foram primordiais para os papéis que assume como mãe, professora e mulher.

Consegui enxergar como o modo de educar de Ciba tem influência de sua bagagem de experimentações e significações, transmitindo seu conjunto de traços e valores pessoais, como as contações de histórias para seus alunos, que são histórias que ela habitualmente ouvia quando era criança no lugar onde morava, da mesma forma que a confecção de brinquedos e a elaboração de brincadeiras é resultante das suas invenções e criações de menina.

Nos relatos do livro, Cibele nos reporta à sua infância, nos mostrando as brincadeiras que a rodeava, professores e escolas marcantes, suas apresentações, os vínculos com os irmãos, seu relacionamento com os pais, tudo que foi importante e deixou marcas nela. “Cibele leva consigo essa história inscrita no corpo, o que se constitui em aspecto determinante no seu modo de educar” (p.142), esse trecho faz alusão às recordações de Ciba e como elas são substanciais na hora de lecionar e é bacana observar como determinadas práticas foram trazidas para a sua vida docente, uma vez que eram composições culturais de sua infância e, por meio disso, conseguiu abstrair o que foi negativo e reproduzir o que foi bom. Todos nós deveríamos fazer o exercício de pontuar as coisas boas e ruins que nos foram colocadas para que, no momento de educar/ensinar, saber lidar com o próximo, conhecer o corpo e as limitações dele. Ciba não deixa de dar lição aos seus alunos, mas também coloca fantasias, jogos e brincadeiras que é algo que gostou quando criança e aplica em seus cantinhos, estimulando-os para que seus corpos deixem de ser tratados como um território de dominação para se tornarem mais livres.

Durante a narração, pude constatar como o Clubinho é uma extensão das brincadeiras, do teatro, jogos e todo lúdico que ainda se faz presente na vida da Ciba. Lá, ela continua as atividades que tanto a envolveu quando criança, rebuscando e revivendo seu passado.

Relembrar o que viveu faz de Cibele a professora que é, pois muito do que põe em vigor tem haver com suas recordações, como o descanso em sala de aula, visto que quando era pequena sentia cansaço depois de brincar, explicando que as crianças precisam justamente dessa pausa para se recomporem fisicamente e voltarem aos seus afazeres. Ela considera o que vivenciou constantemente e seu corpo traz consigo fatos e acontecimentos que serão passados e marcados nos corpos de outras pessoas, seus alunos, da mesma forma que eles trazem coisas novas pertencentes aos seus grupos culturais. Esse mecanismo de compartilhamento, de ouvir o que cada um carrega consigo e de realizar brincadeiras que sejam significantes para eles é essencial, remetendo-nos à ancoragem social dos conhecimentos.

Para concluir, primeiramente,

As crianças, afinal, levam muito tempo para saber que têm um corpo. Durante meses, durante mais de um ano, elas têm apenas um corpo disperso, membros, cavidades, orifícios, e tudo isto só se organiza, tudo isto literalmente toma corpo somente na imagem do espelho. (FOUCAULT, 2013, p. 14/15).

Após reconhecerem seu próprio corpo, as crianças são inseridas na escola e lá é um dos lugares onde o corpo é educado, memorado. E, como diz Machado (1979, p. 22)

O corpo: superfície de inscrição dos acontecimentos (enquanto que a linguagem o marca e as ideias os dissolvem), lugar de dissolução do Eu (que supõe a quimera de uma unidade substancial), volume em perpétua pulverização. A genealogia (...) está portanto no ponto de articulação do corpo com a história.

O corpo que não se articula, que não se movimenta e se torna reprimido, dominado, é um corpo adestrado. Cibele busca formas de trabalha-lo para que as crianças registrem histórias agradáveis em seus corpos e, assim, os tornem menos controlados e mais libertos, pois carregarão as práticas que lhe foram ensinadas e também as espalharão, sendo essas práticas uma parte que as constituem como pessoas.

Referências bibliográficas:

- MACHADO, Roberto. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal. Edição baseada em textos de Michel Foucault, 1979.

- FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, As heterotopias. Tradução Salma Tannus, Muchail. São Paulo: n-1 Edições, 2013.

Nonname
Enviado por Nonname em 29/05/2017
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