Sherlock Holmes em desfile

SHERLOCK HOLMES EM DESFILE
Miguel Carqueija


Resenha da coletânea “O último adeus de Sherlock Holmes”, de Conan Doyle. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2016. Tradução de Maria Luiza X. De A. Borges. Título original: “His last bow”.

Este volume compõe-se de sete aventuras do grande detetive de Baker Street, que aparentemente encerram a sua história. Foram publicadas originalmente entre 1908 e 1917; como o personagem havia sido lançado em 1891, Sir Arthur Conan Doyle já estava cansado de escrevê-lo. Embora a série tenha uma inesgotável legião de admiradores, este último volume decepciona um pouco.
VILA GLICÍNIA – um lorde inglês aceita o convite de um amigo hispano-americano para visitá-lo em sua residência. Chega lá e passa a noite, só para descobrir, no dia seguinte, que tanto o anfitrião como seus dois criados haviam desaparecido misteriosamente. A trama acaba envolvendo um país centro-americano imaginário e a explicação final não satisfaz, deixando inclusive a ponta solta do destino das duas filhas mencionadas do ditador, que são mencionadas duas vezes, mas cujo destino ninguém ao fim se interessa.
O CÍRCULO VERMELHO – Watson, como na maioria das vezes pouca coisa faz senão biografar os feitos de Holmes, acompanhando-o como um cão fiel; não parece que ele exerça muito a sua função de médico. A história em questão fala num quiproquó de um homem que se esconde de um inimigo implacável, até o acerto de contas final. Holmes, até acertar com a verdade, acaba não mantendo controle da situação, que chega a um desfecho à sua revelia. O personagem Gennaro, apesar de sua importância, no fim some de maneira inexplicada. Deduz-se que ele não sumiu, apenas não aparece, mas ficou muito estranho.
OS PLANOS DO BRUCE-PARTINGTON – Os planos secretos de um submarino do governo britânico são roubados e o funcionário graduado Mycroft, irmão de Sherlock Holmes e personagem fugidio de sua série, contrariando seus hábitos aparece em Baker Street para visitar o detetive e pedir a sua ajuda. Lestrade, da Scotland Yard – outro personagem que de vez em quando aparece, até mais que Mycroft – também dá o ar de sua graça. O mistério envolve a morte de Cadogan West, suspeito de ter roubado os planos, é o centro da história, pois aparentemente ele foi jogado do trem, mas as circunstâncias em que isso aconteceu só a argúcia de Sherlock poderá esclarecer. É um conto longo e muito bem elaborado, revelador não só da inteligência superior de Sherlock, mas da qualidade literária de Conan Doyle.
O DETETIVE MORIBUNDO – Narração bem aflitiva esta, onde o Dr. Watson descobre um Sherlock Holmes quase agonizante em seu apartamento de Baker Street. Chamado pela Sra. Hudson, senhoria do detetive, ele é informado pelo próprio Sherlock ter este contraído uma doença rara, aparentemente pega de marinheiros provenientes de Sumatra (!) num caso que ele estivera investigando. Mas as coisas não são como parecem, e uma surpresa aguarda os leitores.
O DESAPARECIMENTO DE LADY FRANCES CARFAX – Aqui, Holmes investiga o sumiço de uma mulher aristocrata e herdeira de certo Conde Rufton, possuidora de uma fortuna em jóias, que desaparece após viajar para Lausanne, na Suíça. É singular que Holmes mande Watson investigar sozinho, com seus limitados recursos, e só depois se junta ao seu auxiliar, cujos resultados não foram muito animadores. Essa história também acaba deixando ponta solta, não sendo a primeira vez que isso acontece nas aventuras de Sherlock. No caso a ponta solta é o que ficou resolvido entre Lady Frances e seu admirador Philip Green.
O PÉ DO DIABO – Em 1897 Holmes e Watson vão passar férias na Cornualha e se deparam com um estranho caso de pessoas que morrem com expressão de horror em seus rostos, ou ficam enlouquecidas. Curiosamente Holmes habitualmente se depara com indivíduos ferozes, selvagens, e não necessariamente os vilões ou criminosos. E mais uma vez, apesar da narrativa escorreita, Doyle deixa pontas soltas, pois o destino dos personagens que enlouqueceram não é esclarecido.
SEU ÚLTIMO ADEUS – Aproximando-se a guerra européia de 1914-1918 Holmes, apesar de já estar aposentado, aceita o pedido do governo britânico para virar um contra-espião, enfrentando assim uma conspiração alemã que visa roubar importantes segredos de estado. Se essa é a despedida de Sherlock Holmes, é bem decepcionante em relação a seu passado de investigador de quebra-cabeças. No entanto Holmes continuou sendo escrito por outros autores, como Manly Wade Wellman e Wade Wellman (pai e filho), Nicholas Mayer e até os brasileiros Alziro Zarur e Jô Soares.

Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 2017.