Resenha da obra Estrutura da lírica moderna, de Hugo Friedrich

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1978.

Na poesia anterior à lírica moderna, a apreensão, tanto da forma quanto do conteúdo, por parte do leitor, era mais facilitada em detrimento da lírica ter, por motivos temáticos, características universais. O poeta (sob o seu eu lírico), então, expressava-se linguisticamente através de descrições das coisas e dos homens, refletindo acerca desses elementos através de um caráter eminentemente íntimo, mas, ainda assim, universalizante.

A dissonância da lírica moderna é a compreensão desorientada proposta pelo autor ao leitor (o inquietar mais importante do que o compreender). A dissonância advém da aguda complexidade dos poemas da lírica moderna, os quais tendem a operar na transformação do real, tanto em nível de representação do mundo como em nível de uso da língua.

A anormalidade da lírica moderna diz respeito às composições deslocadas da realidade e autônomas em seus significados, ou seja, a anormalidade da lírica moderna prescreve seus efeitos na união do irreal com elementos logicamente limitados.

As categorias negativas da lírica é um conceito relativo à contraposição da tradição literária ocidental com a inauguração do tratamento de assuntos e de temas considerados, até, então, como antipoempaticos. Se até o início do século XIX esperava-se da arte poética uma uniformidade idealizante dos assuntos e das situações costumeiras da vida, na poesia moderna do século XIX, dá-se a ruptura com a tradição literária, desse modo, a linguagem poética adquire uma liberdade de dizer sem limites e de considerar um jogo inconsciente de ideias acidentais, embora propositais.

Reconhecidamente, são marcas da lírica moderna o estranhamento, a desorientação, a dissolução do que é corrente, a incoerência, a fragmentação, o uso de imagens cortantes e destrutivas. Todas essas marcas vão ao encontro do que se buscava estilisticamente: o real transformado não pela percepção, mas o real transformado pela criação fantasiosa.

Rousseau fundamenta a incomunicabilidade e a singularidade o eu, sendo esse entendido como uma grandeza incompreendida, o qual tem capacidade de apreender a sua anormalidade como proveniente de uma relação profunda com o mundo. Desse fundamento de Rousseau é que se reflete acerca da única condição possível ao ser humano, que é a de imaginar. A imaginação criativa do ser humano proporciona-lhe a particularização de seu tempo interior, insurgindo-lhe a incompreensão de seu papel social e o entendimento de sua “vocação” como aquela que somente ocorre com a fantasia.

Diderot lega à fantasia a capacidade autônoma de constatação das grandezas espirituais. Segundo ele, o gênio (aquele que fantasia) tem direito à selvageria, pois é capaz de produzir muito mais do que de descobrir. O gênio lança-se ao selvagem, e desse modo, se autocompreende. Diderot fundamenta a ampliação do conceito de beleza, ao afirmar que essa também se verifica na desordem, no caos, na perplexidade, e pode, ou melhor, e deve ser esteticamente representável.

Os sintomas mais importantes da lírica moderna que já aparecem nas teorias do Romantismo são: o encaixe do não habitual às ideias, valores e representações formais, o sujeito lírico como uma disposição neutra, que é total em si e por essa razão tem a liberdade de recriar a linguagem e o mundo que o cerca, segundo conceitos “abstratos”.

O sintoma mais marcado é o do mistério, isto é, o poeta fragmenta o conhecido, desautomatizando-o, em seguida fabula esse mesmo mundo, porém não o propõe ao leitor, mas confronta-o com sua nova feição.

Baudelaire é reconhecido como o poeta da Modernidade por justificar a beleza presente também na decadência do homem que vive nas metrópoles, entretanto, não tratando dessa beleza como um reconhecimento proveniente do caos urbano, mas evidente enquanto mistério. Pode-se ter Baudelaire como um poeta da Modernidade pelo fato de que o mesmo conscientiza seu trabalho artístico como elaboração criativa de certa origem espiritual, de que dá clareza às trivialidades do cotidiano, embora as obscurecendo, no sentido de não completá-la em sua totalidade, e sim em sugeri-las.

Baudelaire teve consciência da Modernidade de sua época, justamente por tematizar em seus poemas a vida cotidiana da urbe, contudo não desenvolvendo nessas temáticas simplesmente a realidade, mas tateando a realidade através da fantasia.

Foi com Baudelaire que começou a se delinear o conceito da lírica moderna de despersonalização. A lírica dos séculos anteriores, e principalmente a lírica dos românticos destinava ao poeta um exacerbado meneio sensível, no sentido de atribuir aos poemas uma direção única advinda do coração (uma subjetividade idealizante). De maneira simplista, o poeta deveria, em seus poemas, derramar-se emocionalmente.

Edgar Alan Poe foi quem separou a lírica do coração. Para Baudelaire, o poema é uma formulação concebida pela “capacidade de sentir da fantasia” e não como a “capacidade de sentir do coração”. A capacidade de sentir do coração pode ser definida como a excitação entusiástica e ampla a que se dispõe a alma, enquanto que a capacidade de sentir da fantasia é uma elaboração guiada pelo intelecto, sobremaneira.

Como a poesia separou-se do coração, a forma separou-se do conteúdo, e assim, os recursos linguísticos utilizados nos poemas receberam maior atenção, ou seja, as rimas, os números de sílabas dos versos, a construção das estrofes são pressupostos para a indicação do conteúdo dos poemas. Se no que concerne ao conteúdo é o desconhecido absoluto a que o homem moderno é confrontado, os instrumentos da linguagem refletirão esse mesmo desconhecido absoluto no que tange à maneira de arranjar a forma.

Baudelaire condensa, em seus poemas, o estado de espírito de uma época, quando do uso do negativo como algo que fascina e como algo que pode ser matéria estimulante a ser apreendida poeticamente. O novo mistério existe, então, para desagradar o leitor e para desagregar a segurança do mesmo em relação ao mundo, refletindo dessa maneira o progresso técnico e caótico da Modernidade.

A finalidade dos aspectos temáticos da poesia de Baudelaire é a conscientização acerca da impotência que cercava o homem moderno. Sendo que essa impotência pode converter-se em solução e força desse homem moderno, mesmo que a solução resida na fuga, a qual é representada pela faculdade da fantasia. A tranquilidade da morte já não satisfaz o homem moderno, uma vez que a morte o leva ao desconhecido, logo, a maneira mais profícua de fuga é, ainda, a fantasia.

A partir do Cristianismo em ruína, os conceitos de “ardente espiritualidade” e de “ideal” progetam-se na busca por essência verdadeira do humano. A meta pela ascensão a um bem espiritual maior é existente, entretanto, sabendo-se que essa meta está distante, esvazia-se o conteúdo e o sentido da mesma. Instaura-se, assim, a possibilidade da certeza única do misterioso como chegada absoluta ao essencial do humano. A idealidade vazia é a constatação moderna sobre o indefinido como forma de fugir do real. A fuga do real, conquistada através da capacidade da fantasia, é a que leva o homem moderno ao mistério do indefinido.

As duas teorias poéticas de Baudelaire que influenciarão decisivamente a lírica subsequente são:

• A magia da linguagem: na qual se afirma que a forma é a origem do poema e que é capaz de transferir significado ao conteúdo; a qual trata da musicalidade como uma sugestão no poema e não como uma intenção; a qual toma a reflexão acerca da poesia e do fazer poético; a qual traduz uma lírica que renuncia à ordem objetiva, lógica, afetiva e gramatical.

• A magia da fantasia: na qual se firma a representação das baixezas da realidade, chocante, moralmente e esteticamente, sem aspirações de intencionalidade, mas de transformação imagística por meio da capacidade de fantasia do gênio poético; a qual tem o sonho como um desejo de evasão.