PERIPÉCIAS DE MINHA INFÂNCIA (Sacolinha)
Quem acompanha o fenômeno literário brasileiro do início do século XXI que é chamado de Literatura Marginal, com certeza já ouviu o nome do escritor Sacolinha. Autor de várias obras icônicas como Graduado em Marginalidade e Estação Terminal, Sacolinha desfruta hoje de um reconhecimento que veio rápido, pois célere foi a (ótima) recepção aos seus textos desde o início, colocando em relevo um autor sensível e perspicaz, mas também engajado, que busca na arte a transformação social.
Nesta obra que tento resenhar aqui, “Peripécias de minha infância”, o autor faz-se valer de um alter-ego, Artur, para contar reminiscências de suas vivências, entre a infância e o início da juventude, no bairro Cidade Líder, na região de Itaquera, zona leste da capital de São Paulo. O livro tanto pode ser entendido como um conto de fadas (sem o glacê hoje intragável do “era uma vez” e “foram felizes para sempre)”, um romance infanto-juvenil, uma crônica longa ou memorial autobiográfico disfarçado de peça ficcional. Não importa, o que ele traz de belo é o lirismo das lembranças que retinem imaculadas na cabeça nostálgica de Artur. Ou Sacolinha? Muito provável que de ambos.
O jovem herói conta sem firulas a felicidade que foi viver com a avó compreensiva depois dos duros anos sob a tutela de uma mãe autoritária. Sem titubear, cita as inúmeras vantagens de morar com alguém que lhe dá mais carinho e atenção. Com os novos amigos que conquista (Iti, Casquinha, Sukrilhos, Celão, Cueca, Borel, Max, Cebola, Rafinha), constitui uma turma animada e festeira. A isso se somam as farras típicas da criança em desenvolvimento. Que o digam Gargamel, dono da goiabeira mais esplendorosa do lugar, ou seu Doca da padaria, que vendia o pudim mais desejado do mundo, que padecem na mão da gurizada. As brincadeiras, os risos, os machucados, a alegria contagiante, as sacanagens entre amigos, tudo caminha junto, no processo de formação que aos poucos vai conduzindo os jovens na direção das responsabilidades surgidas com o passar da idade.
Sacolinha não procura psicologizar os personagens, assim como foge do aprofundamento de algumas questões pertinentes à puberdade, como as primeiras manifestações da sexualidade, tampouco esquadrinha sociologicamente o ambiente. O que ele faz é contar uma boa história, sem enunciados teóricos, apenas retratando o espaço e o tempo, como os vividos pela gurizada. Faz gol de letra. Aliás, como sempre.
Serviço
Livro: Peripécias de minha infância
Autor: Sacolinha
Ilustrações: Betto
Editora: Nankin Editorial
Ano: 2010
Projeto contemplado pela FUNARTE através do edital Bolsa Funarte de Criação Literária