A sociedade oitocentista sob a ótica de Nelson Werneck Sodré

SODRÉ, Nelson Werneck. Estrutura da Sociedade Colonial. In: História da Literatura Brasileira - 10. ed. Rio de Janeiro: Graphia, 2002, pp. 67 – 93.

Nelson Werneck Sodré (Rio de Janeiro, 27 de abril de 1911 - Itu, 13 de janeiro de 1999) foi um militar e historiador brasileiro. Publicou, em 1938, seu primeiro grande livro, História da literatura brasileira, uma análise das questões literárias a partir das relações de propriedade e dos conflitos sociais. Já em 1940 teria ingressado no Partido Comunista Brasileiro. Após 1962, dedicou-se inteiramente à atividade intelectual de escritor e ao exercício do magistério no ISEB, onde passou a chefiar o Departamento de História. Foi nesse período que desenvolveu o único trabalho em parceria de sua carreira, História nova do Brasil.

Sodré inicia seu texto falando suscintamente sobre a forma e o porquê dos portugueses terem vindo ao Brasil, também retoma rapidamente o contexto das grandes navegações e o objetivo da colonização pelos portugueses, quais sejam, encontrar trabalho servil e montar grandes propriedades para extrair riquezas da colônia.

O historiador informa que tem havido uma preocupação em relação à origem social dos portugueses que vinham para o Brasil naquele período, entre o século XV e o início do século XVIII. De acordo com Sodré, o retrato que é pintado por alguns sociólogos, historiadores e cronistas é o de que as pessoas que iam para a colônia eram membros da alta sociedade portuguesa e que possuíam os gostos e privilégios da nobreza, inclusive, o autor cita um pequeno texto de Oliveira Viana, datado de 1938, para ilustrar esse pensamento. Mas Sodré fala de Oliveira Viana apenas como um “cronista de pincel carregado” (p. 68), esquecendo-se das contribuições que esse ensaísta deu para o Brasil com os seus escritos sobre a formação do povo brasileiro.

Mais a frente, Sodré fala que a vida cotidiana no Brasil colonial não era tão movimentada quanto informam alguns textos, na verdade, ela era “apagada, monótona e pobre” (p. 68). Além disso, as pessoas que vinham para a colônia não eram membros da burguesia portuguesa e sim integrantes de classes inferiores. Para embasar seus argumentos, Sodré cita um texto, datado de 1930, de Alcântara Machado.

No Brasil daquele período áreas como São Paulo, Salvador, Olinda e Recife eram consideradas mais ricas, sendo assim, com mais chances de ali habitar uma sociedade mais nobre, Sodré menciona Robert Southey como um historiador que defende esse lado da história, mas logo a frente informa que isso também não era uma verdade, pois a vida colonial era difícil e não havia sequer o comércio de utilidades, que proporcionaria maiores lucros para os habitantes de várias localidades. Para Sodré, a riqueza e luxo cantados por alguns historiadores e cronistas era privilégio de pouquíssimos moradores da colônia.

Não bastasse a falta de riquezas materiais, os portugueses habitantes da colônia também possuíam, em sua maioria, pouca instrução escolar, eles já vinham de Portugal com essa lacuna a ser completada e no Brasil desse período não teriam a oportunidade de preenchê-la. Nesse ponto, Sodré menciona o escritor José Veríssimo que aponta que nessa época não havia grande atividade intelectual no Brasil, afinal a atividade a ser priorizado era a extração de riquezas da colônia e o apossamento da terra.

Para deixar ainda mais claro a pouca tendência para as letras e para as artes que as pessoas que vinham para as terras tupiniquins tinham, Sodré indica um texto de José Veríssimo em que ele cita abertamente quem eram essas pessoas:

“Salvo exceções diminutas, esse português pertencia às classes inferiores do reino, e quando acontecia não lhes pertencer pela categoria social, era-o de fato pelas condições morais e econômicas. Soldados de aventura, fidalgos pobres e desqualificados, capitães-mores e conquistadores, tratantes ávidos de novas mercadorias, clérigos de nenhuma virtude, gente suspeita à política da metrópole, além de hominizados, degradados eram, em sua maioria, os componentes da sociedade portuguesa para aqui transplantada[...]” (SODRÉ, 2002, p. 74 apud VERÍSSIMO, 1954).

Para concluir seu pensamento em relação a isso, Sodré menciona que Veríssimo obviamente viu o cenário brasileiro de forma mais realista e abrangente, para ele, o raciocínio lógico nos levaria ao resultado de que seria, nas palavras do autor, um “contra-senso, um absurdo” (p. 74) haver no Brasil desse período um “espaço para as cogitações do pensamento e ainda menos para as da criação artística” (p. 74), pois a maioria da população era formada por pessoas que não possuíam interesse ou necessidade de trocas e aquisições intelectuais.

No momento seguinte de seu texto, Sodré volta a atenção para o papel dos jesuítas na colônia e o ensino dado por eles aos povos que aqui viviam. Segundo o autor, as únicas pessoas que vinham para o Brasil portando algum tipo de instrução eram os religiosos, e informa que os padres jesuítas possuíam boa formação intelectual, no entanto, preocupavam-se mais com o objetivo principal de catequizar os nativos e dar uma instrução escolar básica.

O que definia a organização do ensino jesuítico era o Ratio Estudiorum, que proporcionava espaço para uma formação mais extensa e completa, incluindo a formação em Letras e os estudos universitários de Filosofia e Teologia, entre outros. Mas Sodré aponta algumas falhas do ensino jesuítico, como “o seu finalismo, o seu desinteresse pela realidade, [e] o seu distanciamento da vida” (p. 76), informando-nos que, a princípio, isso se deve as condições do meio. De qualquer forma, o ensino dado pelos jesuítas tinha por finalidade inicial o recrutamento de elementos para a Ordem e ganhar a infância através das aulas de instrução básica, e isso estava aos poucos sendo alcançado. Apesar de tudo, o ensino jesuítico foi de fundamental importância para o surgimento de uma atividade intelectual no Brasil.

O autor, de forma bem sucinta, explica que dificilmente esse pontapé inicial do ensino no Brasil seria diferente, as condições do meio e a estrutura vigente não proporcionavam a criação de bases sólidas para a formação de pessoas que poderiam representar uma elite intelectual brasileira. Para Sodré, possivelmente nenhum outro ensino conseguiria resultados mais produtivos do que aqueles obtidos pelos jesuítas. Além disso, o autor faz uma pequena reflexão em relação a questão de considerar ou não esse período como aquele em que iniciou-se a atividade literária brasileira, afinal, pouca coisa contribuía: a vida na colônia era essencialmente agrária, a vida na cidade até o início do século XVIII era difícil e desorganizada, também não havia um idioma único, nem um público leitor considerável ou autores de fato capacitados.

Nelson Sodré acaba concluindo que o cenário dos dois primeiros séculos após o “descobrimento” do Brasil não favorecia o surgimento de atividades intelectuais significativas e muito menos de uma Literatura Brasileira. Ele retoma um pouco o que Antonio Candido já havia observado: para existir de fato Literatura é preciso a tríade autor-obra-público (linguagem), o que ainda não havia no Brasil naquele período.

Outra falha cometida por Sodré é a sua radicalidade ao defender que não havia nenhuma atividade intelectual ou artística no Brasil simplesmente porque as condições do meio não favoreciam. Ora, períodos de tribulação não anulam criações artísticas e muito dificilmente teríamos uma população tão inculta a ponto de não existir sequer um representante digno de ser reconhecido. Devemos lembrar ainda que a criação artística não se limita apenas àquilo que é escrito, a arte, como sabemos, vai muito além disso.

Jéssica Catharine
Enviado por Jéssica Catharine em 03/01/2015
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