ESTAÇÃO TERMINAL (Sacolinha)

Os 12 anos que o escritor Sacolinha passou como cobrador de lotação, compreendem parte de sua infância, toda a adolescência e o início de juventude. Sua obra “Estação Terminal” trata desse tempo. Dessa dúzia de anos, Ademiro Alves (o nome real de Sacolinha), sempre fazendo o percurso Cidade Tiradentes-Metrô Itaquera, viu muitas coisas e ouviu muitas histórias. É isso que ele nos relata no livro.

Lançado originalmente em 2010, o livro é composto de cinco partes, algumas (3ª, 4ª e 5ª) com apenas um título. Histórias diversas, complexas, que vêm, que vão, que tramam, que dramatizam. Dono de uma escrita fluida e vibrante, o autor não se dispersa nunca. Escreve sempre a palavra exata no momento exato. Centrado em sete personagens centrais, Pixote, Gago, Mastrocolo, Maria José, Cadeirinha, Arilson e Helton Lima, a obra de Sacolinha, “autodefinida” ficção, usa de elementos do mundo imaginário apenas para disfarçar – logo realçar – o caráter emergencial da realidade exclamada e da história intrínseca aqui retratados. Um 8º personagem surge, Sávio, alter-ego do autor, incumbido de “envernizar” com traços ficcionais a realidade bruta da vida no Terminal. Envernizar, aqui bem explicado, para dar uma roupagem literária à experiência de vida de Sacolinha, nos 12 anos em que trabalhou no local.

Temos então, nos 11 contos (crônicas? Por que não?) a vida tal como sempre foi e ainda é. Tragédias, acidentes, traições, mortes, cenas de amor e amizade, confusão, todo o mundo dito “normal” é aqui capturado pelos textos secos e coesos do autor. Pelas teclas dele ficamos sabendo que os fiscais que apreendem lotações são chamados de Maria Bonita. Que o passageiro é o Boneco. Que quem entra no ponto inicial e só desce no final é Boneco Chiclete. E que andar com van ou microônibus vazio – menos de 5 passageiros – é, para os condutores, “bater lata”, ou seja, andar no prejuízo.

Outra prática muito comum entre motoristas e cobradores desse tipo de transporte, segundo Sacolinha, é a prática do adultério. As amantes têm o simbólico nome de Mula. “Com exceção do Gago e das mulheres perueiras, todos os outros perueiros do Terminal têm suas mulas”, diz ele.

Assim, texto a texto, linha a linha, somos introduzidos num universo muito particular, com suas próprias leis e sua linguagem única. O Terminal Itaquera, com a construção do shopping, o Poupatempo e agora as diversas modificações implementadas por conta da construção da Arena Corinthians, como a execução do complexo da Fatec, a inauguração do parque linear Rio Verde e as profundas modificações viárias no entorno do local, foi modificado de forma radical. Também as novas condições de gerenciamento no transporte público da cidade, a partir da gestão de Marta Suplicy (a Vanete Freitas, na descrição hilária do livro), ajudaram a recompor algumas peças soltas no caótico tabuleiro do sistema de transporte público em São Paulo.

Seja como for, os relatos rememoram até o ano de 2006. De lá para cá aconteceram diversas mudanças. Ainda assim, história, com seus possíveis acertos e erros, foi guardada e contada. Resta-nos não repeti-la.