Resenha Crítica – A Quinta Disciplina

Nos últimos meses eu tenho refletido bastante sobre a aprendizagem organizacional. Tenho me feito perguntas do tipo: “será a empresa capaz de criar condições para que as pessoas aprendam a aprender?”; “será mesmo necessário que todos os membros de uma organização tenham que ter condições para aprender e refletir ou para alguns basta que sejam meros executores?

Não sei porque tenho pensando nisso ultimamente. Não sei se foram os diversos livros que tenho lido que não tratam especificamente do assunto; se foram as reflexões a respeito de como funcionam as empresas atualmente e como deverão funcionar no futuro; ou se foram as discussões a respeito das variáveis que foram, são ou serão adicionadas ao manual do bom gerente.

O que eu sei é que esse tema revelou-se interessante. E como pouco sabia sobre aprendizagem organizacional, as reflexões que fiz foram pobres e sempre senti que faltava alguma coisa. E, de repente, um livro azul está em minhas mãos. Com o título “A Quinta Disciplina”, pensei: “eu não sei nem quais são as outras quatro”. Também imaginava que seria um livro desinteressante, mas logo percebi que se tratava do tema que estava a refletir nos últimos tempos.

Peter M. Senge, autor do livro azul (ou preto para quem tiver a outra versão), é diretor do Cento de Aprendizagem Organizacional da Sloan School of Management, do MIT. Tem contribuições muito importantes no campo das organizações que aprendem, lançando livros outros como “The Dance of Change” (1999), “Presence: Human Purpose and the Field of the Future” (2004), “Presence: An Exploration of Profound Change in People, Organizations, and SocietyOrganizations, and Society” (2005) e “The Necessary Revolution: How Individuals and Organizations Are Working Together to Create a Sustainable World” (2008).

Em “A Quinta Disciplina”, Peter Senge sugere que passemos a enxergar o mundo como de fato ele é: complexo, repleto de interações e variáveis incontáveis e interdependentes. Para citar um exemplo, se estivermos fora do planeta Terra não veremos nenhuma fronteira que separe algum país de outro. Veremos apenas uma totalidade como sugere o astronauta Rusty Schweickart.

Estamos acostumados a dividir a totalidade, em especializar-se. Isso não quer dizer que vemos as coisas de maneira errada, mas apenas de maneira incompleta. Parece que temos a capacidade de compreender que há inúmeras, talvez infinitas variáveis e relações. Porém, trabalhar com todas elas parece ser loucura, uma vez que lidar com mais de três já é bem desgastante. Então, recorremos diversas vezes a expressões como “ceteris paribus”, expressão latina que significa “tudo o mais permanecendo constante”.

Também aprendemos nas escolas de nível fundamental e médio a pensar em relações de causa e efeito. Na matemática aprendemos que em uma equação do primeiro grau existe uma variável dependente e outra independente. Levamos esse pensamento para a faculdade e nos enganamos (não completamente) ao achar que a Demanda Agregada, por exemplo, é uma variável estritamente dependente de inúmeras outras como “Gastos do Governo”, “Investimentos”, “Poupança”, “Consumo das Famílias”, etc.

Até conseguirmos compreender que pode haver um ciclo vicioso leva tempo. Conseguimos perceber que a conseqüência de uma causa pode reforçar a causa primeira. Porém, infelizmente estamos acostumados a tomar decisões ou agir, enquanto deixamos de refletir e pensar a respeito de tudo que fizemos, fazemos ou pretendemos fazer.

Depois de tanto tempo, parece que percebemos que não podemos viver apenas de dividir e especializar-se. Estivemos centrados no objetivo de descobrir a menor partícula dos organismos. Os dividimos em subsistemas, órgãos, células... Os cientistas também se esforçaram na busca pela partícula elementar e indivisível de tudo, o chamado átomo. O resultado desse modelo de pensamento sobre o mundo gerou instituições funcionais pouco preocupadas com as relações com o meio externo e, paradoxalmente, também pouco capazes de enxergar o meio interno.

Cada vez mais, geramos médicos especialistas que aos poucos passam a entender muito de poucas coisas e pouco de muitas outras. Formamos engenheiros civis, químicos, eletricistas, de produção, de pesca, etc. Envolvemos-nos cada vez mais na idéia de que cumprirmos bem nossos papéis nos cargos em que atuamos. Parece que a titulação a nós dada nos domina e nos denomina completamente. Enxergamos as nossas ações, e somente elas. Sofremos com as conseqüências imediatas sobre nós, uma vez que daqui a dois anos não pretendemos estar mais no mesmo cargo, então para que se preocupar?

Ainda bem que por volta da década de 1950 e do final da década de 1960, Ludwig Von Bertalanffy desenvolveu a hoje famosa Teoria Geral dos Sistemas. Parece que alguém finalmente teria acordado do transe do qual estivemos presos por tanto tempo. Foi a partir dessa teoria que Senge se interessou pela complexidade e pelo pensamento sistêmico.

Vale antes, porém, frisar que Senge elenca cinco disciplinas, a saber: domínio pessoal; modelos mentais; construção de uma visão compartilhada; aprendizagem em equipe; e pensamento sistêmico.

O que faz com que todas essas disciplinas se comuniquem e se tornem efetivamente poderosas é justamente a última: pensamento sistêmico. É essa disciplina que permite que entendamos o real impacto de nossas decisões e de como somos influenciados por estruturas que estranhamente desconhecemos, os arquétipos de sistemas.

O fato é que para as futuras organizações a aprendizagem será uma vantagem competitiva, a menos que nenhuma – eu disse “nenhuma” – se interesse minimamente por esse modelo de pensamento. E como hoje, já existe a preocupação em desenvolver empresas que permitam o aprendizado contínuo e a obtenção de habilidades, que permitam todos os colaboradores tomarem decisões cada vez mais decisivas ao negócio como um todo, o fato é que a cultura da aprendizagem começa a se instalar no meio empresarial e acadêmico, sobretudo após as contribuições de Peter Senge.

Para se ter uma idéia, enfrentamos dificuldades enormes em enxergar as coisas como elas realmente são ou mesmo tomamos decisões que seriam semelhantes às de quaisquer outras pessoas. O jogo da cerveja, descrito no livro de Senge, demonstra isso. Embora, quiséssemos encontrar uma solução ótima para o problema, encontramos maneiras de culpar alguém e mais: cometeríamos os mesmos erros se ocupássemos qualquer uma das posições (varejista, atacadista, cervejaria).

Aliás, essa é uma atitude muito comum: encontrar culpados. Todos querem ser vítimas quando não podem ser heróis. Talvez essa seja a habilidade que melhor desenvolvemos a partir da habilidade que temos de julgar. O importante é “tirar o meu da reta” e apontar os erros dos outros, uma forma de mostrar que sabemos de tudo, que temos a compreensão dos fatos e, principalmente, das pessoas.

E então alimentamos o mito do bom gerente, que tudo sabe, tudo vê e tudo faz. Então, por que ainda temos inúmeras falhas, das quais muitas são graves, nas empresas modernas. E se a ciência tem evoluído em ritmo exponencial, então por que problemas aparentemente tão básicos como fome e miséria não são resolvidos?

A grande dificuldade de resolver todos esses dilemas não está na forma como executamos nossas estratégias, mas sim na forma como as concebemos. Apesar de extremamente difundida a mensagem de que é importante definir uma visão de futuro, um propósito comum e valores que nos guiem em decisões rotineiras ou eventuais, fazemos tudo isso de maneira automática, sem reflexão.

Se estivermos por um instante com cara de quem está olhando para o vazio, somos logo repreendidos. Não estamos fazendo nada para gerar valor ao acionista, ao cliente ou a sociedade. Confundimos iniciativa ou proatividade com não perder tempo, em um mundo onde tempo é dinheiro. A conseqüência imediata é pular de estratégia em estratégia: “quem sabe uma não dá certo, não é mesmo?”

Desenvolver aprendizes nas organizações é um grande desafio. Um desafio, sobretudo dos gerentes, que passarão a ter um papel totalmente diferente do gerente que conhecemos hoje. Nas organizações que aprendem, eles serão os facilitadores das rodas de diálogo e discussão. Estarão preocupados em gerar aprendizado, enquanto seus liderados estarão decidindo o rumo da organização.

Mas se as idéias de Peter Senge são tão impactantes e tão cativantes, por que ainda não temos Organizações que Aprendem, no pleno sentido da expressão, conforme afirma o próprio autor? Uma explicação não definitiva é a de que parece muito difícil ensinar os adultos a pensar de maneira sistêmica. É bem mais difícil do que ensinar a minha avó a anexar um arquivo no seu e-mail pessoal. É bem mais difícil do que me ensinar a falar alemão.

As escolas brasileiras de nível fundamental, quando melhor estamos preparados para aprender a pensar de forma sistêmica, ainda não ensinam a refletir e enxergar as complexidades. Como disse no semestre passado um professor meu de Gerenciamento de Projetos, “a minha profissão faz parte de uma operação fabril: inicialmente vocês são insumos e, depois de eu processá-los, vocês se tornam produtos acabados”.

É claro que o meu professor estava brincando conosco, mas no fundo sua afirmação faz sentido quando pensamos sobre o funcionamento das escolas. Somos “capacitados” a reproduzir pensamentos. Não criar. Enquanto estamos na sala de aula estamos lá para aprender o que antes o mestre aprendeu. Quando concluímos o curso, estamos formados, prontos para executar. Ou não.

Da maneira como estamos conduzindo a educação estaremos formando robôs e não aprendizes. Talvez esse seja o conceito que precisamos rever. E é por isso que as Organizações que Aprendem ainda estão longe de existir em plenitude.

Mas é bom lembrar que não sou dono da verdade e que minhas colocações devem merecer inúmeras revisões. Primeiro, porque estou longe de dominar as cinco disciplinas, muito menos o pensamento sistêmico. Segundo, porque mesmo que o dominasse ainda haveria conhecimento para construir.

O livro de Peter Senge é um dos livros mais bem escritos que eu já li. Em alguns momentos pode ser uma leitura fatigante, que não levará a lugar nenhum. É talvez resultado da própria maneira de pensar sistematicamente do autor, em formas de looping, quando a todo tempo parece que voltamos ao começo de um pensamento que não tem fim, nem começo. Cansar com a leitura do livro é mais por desconhecer a linguagem do pensamento sistêmico, pois dominamos, e mal, apenas a linguagem do pensamento linear.

O livro é bem construído. Não pretende pôr um ponto final, mas sim os pingos nos i’s. Não intenciona ser um manual de como transformar a empresa tradicional em uma organização que aprende, mas sim apresentar princípios e ferramentas que possam contribuir na construção desse modelo de Organização.

Das duas uma: ou Peter Senge será esquecido quando o modismo da “Organização que Aprende” passar, daqui a algumas décadas ou séculos, ou será muito bem lembrado quando o homem estiver enxergando o mundo em um contexto bem mais amplo. No mais, também podemos esperar por uma sexta disciplina: quem se habilita?

Referências

[1] SENGE, Peter M. A quinta disciplina: arte e prática da organização que aprende. 21ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2006.

Julho de 2010.