PRECONCEITO LINGUÍSTICO- MARCOS BAGNO

RESENHA- PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Ilza Ribeiro Gonçalves

Marcos Bagno, em Preconceito Linguístico: o que é, como se faz, publicado em 1999 pela editora Loyola, traz uma discussão sobre as implicações sociais da língua. Ele já havia discutido em seu livro A língua de Eulália, Novela Sociolinguística forma preconceituosa com que a língua é tratada na escola e na sociedade e, no Preconceito Linguístico, retoma essa discussão.

“Bagno recusa a noção simplista, que separa o uso da língua em “certo” e errado”, dedicando-se a uma pesquisa mais profunda e refinada dos fenômenos do português falado e escrito no Brasil.

Ao mesmo tempo convida o leitor a fazer um passeio pela mitologia do preconceito linguístico, a fim de combater esse preconceito no nosso dia-a-dia, na atividade pedagógica de professores em geral e, particularmente, de professores de língua portuguesa. Para isso. O autor analisa oito mitos inseridos no primeiro capítulo do livro A mitologia do preconceito linguístico.

É de se espantar que em uma sociedade denominada moderna, e que abomina o preconceito, ainda sofra de um mal tão praticado e propagado, a forma linguística, a língua portuguesa em si, tem sido imposta como única forma aceitável da língua, dando margem ao severo poder opressor do preconceito linguístico.

Marcos Bagno, em seu livro “Preconceito linguístico: o que é como se faz”, analisa com muita competência os mecanismos de exclusão social, explicitando suas causas e efeitos, ao mesmo tempo em que cientificamente põem em descrédito aqueles que inadvertida e ou insistentemente o cometem.

“Mitologia do preconceito linguístico”, empregada por ele para referir-se ao conjunto de opiniões que sustentam o preconceito, contém uma direta crítica e que desta maneira classifica tais posturas como falaciosas, fantásticas.

No primeiro mito trata hipoteticamente a unidade na língua portuguesa falada no Brasil, confundindo o fato de a língua oficial do Brasil ser a portuguesa e não haver variedades nesta, quando o que ocorre é exatamente o contrário. Ele encara este preconceito como o mais sério, pois apoiada neste mito, a escola tenta impor como correta uma norma que não é verdadeiramente própria ao país como um todo, qualquer manifestação linguística que escape de escola-gramática-dicionário é considerada, sob a ótica do preconceito linguístico, “errada”.

O segundo mito, o autor faz uma análise e desmistifica a relação histórica entre Brasil e Portugal, como se o ensino de língua sempre se baseasse na norma gramatical portuguesa, reflete ainda o presente complexo de inferioridade nacional, como se até hoje o Brasil fosse colônia de Portugal.

Mito três: “Português é muito difícil”, uma consequência do segundo. O autor o desmente facilmente, alegando que qualquer criança de três a quatro anos de idade já é uma falante competente de sua língua materna, tendo internalizado a gramática de sua língua, e precisando do estudo (escrita e leitura) apenas para dominar particularidades desta estrutura básica. É uma consequência do segundo mito no sentido de que se o brasileiro acha difícil aprender estas particularidades, é porque o ensino insiste em voltar-se para a norma de Portugal, desconsiderando o uso brasileiro do português.

Já no mito número quatro se afirma que o brasileiro não sabe português, por isso afeta o ensino da língua estrangeira, pois é comum ouvirmos educadores dizendo que os alunos já não sabem português, imaginem se vão conseguir aprender outra língua, fazendo a velha confusão entre a língua e a gramática normativa.

Sendo uma tendência inerente à língua, as pessoas falantes destas variantes não padrões só são estigmatizadas, rotuladas pela sociedade devido ao preconceito por estarem fora do âmbito linguístico, residindo, portanto, em questões unicamente sociais.

O quinto mito parece, mais uma vez, ter a mesma origem: “O lugar onde melhor se fala português é o Maranhão”. Ou seja, mais uma vez a adequação às normas de Portugal é tratada como necessária e mostrando que o português do Maranhão possui seus desvios, o autor comprova que não existe variedade “melhor”, “mais pura”, “mais bonita”, ou “mais correta” do que outra, assim como o português falado em Portugal não possui nenhum destes atributos em relação ao do Brasil. Trata-se, mais uma vez, da questão da variabilidade à qual todas as línguas estão intrinsecamente sujeitas.

No sexto mito “O certo é falar assim porque se escreve assim” o autor ressalta que a ortografia não passa de uma convenção, aplicável apenas à língua escrita, e que, portanto, não faz o menor sentido tentar estendê-la à oralidade. Por mais elaborados que sejam os sistemas ortográficos, eles não têm subsídios para fazer uma representação totalmente fiel a uma língua.

O sétimo mito: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Segundo o autor e difícil encontrar alguém que não concorde com esse mito. Comprovadamente falando, não há nada a favor da gramática tradicional nesse sentido. Pelo contrário, sabe-se que a grande dificuldade em seguir as suas prescrições, gerada no ensino, acaba por inibir muitos escritores. Também se discorre sobre a relação entre a gramática e a norma culta. Ele elucida que objetivo verdadeiro da gramática seria descrever a língua, e não tentar ditar seus rumos. A gramática, na visão do autor, passou a ser um instrumento de poder e de controle.

O oitavo e último mito tem o seguinte título: O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social que fecha o circuito mitológico, tem muito a ver com o primeiro, pois ambos tocam em questões sociais, retomando a ideia de que tratar da língua é tratar de política, ele diz que na verdade a questão das diferenças de classe jamais poderia ser resolvida apenas com o ensino de uma língua padrão, e acreditar nisso é ingenuidade ou cinismo, uma vez que a questão está na verdade muito mais ligada às relações de poder existentes no país.

É um livro que, como outras obras da área precisa ser difundido rapidamente entre o professorado brasileiro para que estes leiam, reflitam e discutam sobre o ensino da língua, uma vez que esta tantas vezes é motivo para exclusão, reprovação e classificação dos sujeitos.