Conto O buraco, Luiz Vilela
O buraco é integrante da obra Tremor de terra, antologia do escritor Luiz Vilela, nascido na cidade de Ituituba (MG) no ano de 1942.
Com um título sugestivo e metafórico, o enredo gira em torno dos conflitos emocionais e existenciais do personagem-narrador Zé. Sua mãe, que não fora nomeada pelo narrador-personagem e Maria fazem parte do núcleo secundário.
Vale frisar que, típica de romances e contos consagrados da literatura, a narrativa em primeira pessoa é característica de histórias voltadas para confissões de personagens comumente em crise ou em decadência existencial. Fazendo uma sucinta varredura literária, podem ser citadas obras como Dom Casmurro, Menino de Engenho, O ovo apunhalado, entre outros.
O marasmo de Zé é refletido no cenário do conto que se resume ao espaço diminuto do buraco e de sua casa, não constando referências geográficas como cidade ou bairro. O mesmo acontece com relação ao aspecto temporal, pois não são feitas alusões sobre o ano ou mês em que se passam os fatos, o que qualifica a atemporalidade da narrativa.
A história é contada desde a infância do protagonista, aos três anos de idade, lembrança mais antiga que ele possui da sua existência, quando cavar um buraco no quintal de casa era apenas uma mera brincadeira de criança.
O tempo passa, Zé narra sua trajetória por etapas da vida. Ele cresce e concomitantemente o buraco vai assumindo tamanho e formato, como se fosse também um ser em fase de desenvolvimento. O personagem passa a estimar a cavidade com tanto esmero como se ela integrasse sua vida. Cavar deixa de ser distração para se tornar uma atividade com que ele se refugia do mundo.
Na adolescência, no auge dos quinze anos, Zé redescobriu aquilo que fazia parte do seu cotidiano – o buraco. Antes tão familiar, agora é o início de uma estranha transição. Naquele dia tão peculiar, Zé vivenciou nuances de sentimentos. Pela manhã estava alegre, à tarde não sabia definir o sentimento e à noite sentia-se triste. Ainda neste dia, teve uma certeza: o buraco estava no seu íntimo, muito além do espaço físico do quintal.
Nos anos seguintes à adolescência, o jovem solitário tentou se desvincular do buraco, suprimi-lo era o seu intuito. Buscou ajuda com a companhia de outras pessoas com quem preencheria a lacuna, mas o vazio era grande demais e Zé sabia que apenas ele poderia completar aquele vácuo.
Assim, na tentativa de preencher a cavidade com terra, após um escorregão, ele experenciou, de maneira inédita, a sensação de cair na profundidade. Sensação esta descrita como horrível, pavorosa, no primeiro momento, contudo era um pavor efêmero, pois aquele lugar escuro e frio já assumia formato de lar, de habitat natural daquele homem. Aos poucos a permanência no buraco tornava-se mais duradoura, culminando na recusa de comunicar-se com a mãe e com a noiva, como se sabe, componentes de seu mundo familiar.
Em uma atmosfera repleta de mudanças comportamentais, também o aspecto físico de Zé sofria alterações por meio de uma espécie de metamorfose, pois sua aparência já era semelhante à de um tatu. Mãos, rosto, postura corporal, tudo lembrava tal animal, em seu casulo, isolado dos demais da sua espécie, cercado pela escuridão, frieza e silêncio. São estas características que confortam o estado psicológico e emocional do “homem-tatu”.
Instigado por uma série de fugas e retiradas silenciosas, Zé se afastou por completo do mundo externo. Paulatinamente deixou de atender aos chamados de Maria, que se tornou sua ex-noiva, e distanciou-se ainda mais da mãe. Esta, por sua vez, sofria muito ao acompanhar a destruição do filho. Apesar da tristeza, não raro sentava-se no tronco da árvore à beira do buraco para fazer companhia silenciosa ao “filho-tatu”. De lá de dentro ele podia vê-la, mas o contrário não era possível devido à escuridão.
Ao testemunhar a dor da mãe, mais uma vez Zé tentou se desapegar do buraco, mas foi um esforço inútil já que a dependência por “aquilo” que ele próprio desconhecia havia assumido uma dimensão superlativa em seu ser.
Em seu isolamento permanente, Zé começou a vivenciar um incômodo invertido. Outrora os ruídos humanos, risos e fala, tinham como efeito colateral repulsa e desagrado aos seus ouvidos, todavia em seu novo estilo de vida os sinais humanos eram quase extintos, o que acarreta saudade da audição de voz humana. Por isso, no meio da noite, às escondidas, ele se aproximava da antiga casa para escutar conversas e comentários triviais de pessoas comuns que visitavam sua mãe. Tal comportamento denota a carência do indivíduo deslocado do verdadeiro meio.
O conto termina com um pensamento irônico do narrador-protagonista com relação a sua condição de ser animalizado, tentando viver uma vida conjugal “‘Mulher apaixonada por um tatu mata-se. Seria engraçado’”. (VILELA, 1977, p.26)
Este “homem-tatu” metaforizado por Vilela há mais de quatro décadas parece tão recente, pois continua presente na contemporaneidade, momento em que os problemas como depressão e solidão, aos quais as pessoas estão sujeitas, tornam-se cada dia mais evidentes na sociedade atual.
Assim sendo, O buraco conduz o ser humano à reflexão acerca da sua diluição identitária no meio social e nos faz pensar na seguinte questão: será que conseguimos manter o equilíbrio das emoções perante o caos ou nos afundamos no buraco, como animais, à procura de refúgio?