ENTRADAS E BANDEIRAS (Fenando Gabeira)

Livro-depoimento do atual deputado federal mais bem votado do Rio de Janeiro, "Entradas e Bandeiras" é todo focado no momento da volta de Fernando Gabeira ao Brasil, depois de um exílio de mais de 10 anos na Europa, por conta do seqüestro do embaixador dos Estados Unidos, em 1969, no qual ele havia tomado parte.

Na Europa, o autor foi maquinista de metrô, ajudante de cozinha e porteiro de hotel. Essas experiências anômalas aprofundaram-lhe a observação arguta e autônoma. Isso resolvido, ele aproveita cada situação, cada momento experimentado, cada nova informação usufruída, para alimentar seu intelecto. E o resultado de todo o mundo que o apreende, nós vemos na forma concisa e direta desse livro.

A esquerda brasileira, na pequenez de seu pensamento abjeto, esperava saudar mais um ex-asilado político com palavras de ordem, jargões soldadescos e clichês românticos. Mas o pensador que encontramos nesse livro é alguém que está incomodado (e não acomodado), com as perspectivas de melhora e progresso, das pessoas, da nação, do mundo todo. O discurso de Gabeira trazia à tona, junto com suas histórias pitorescas e flash-backs riquíssimos em ilustrações, notícias que diziam respeito ao direito e à emancipação da mulher, do negro, dos homossexuais, além de descortinar de forma inédita questões ecológicas que hoje estão na ordem do dia. Mas isso foi há 30 anos, quando desfraldar essas bandeiras era um ato de coragem, exigindo muita inteligência persuasiva do emissor das novas mensagens.

Quantos não se sentiram afrontados com o "ex-guerilheiro" urbano que agora usava roupas coloridas, "unissex"? E tantos outros devem ter ficado boquiabertos com o sequestrador que voltava sem comer carne, sem fumar ou beber. Fico aqui a imaginar as urticárias cerebrais das "intelligentsias" tanto à esquerda quanto à direita, quando, por exemplo, o autor trata do assunto maconha. Com tranqüila coloquialidade, sem didatismo, sem rancor, sem confronto desnecessário, e – principalmente – sem violência verbal, ele, antes de fazer uma defesa passional, antes se deleita em falar de liberdades individuais. E Franco Basaglia, pensador italiano, já nos asseverava que "viver com o preconceito é bem mais fácil que com a liberdade".

Desambientados e desencorajados, Fernando Gabeira e sua companheira Lena tentaram seguir "seus sonhos", apresentando seus pontos de vista e encontros em pontos diversos do país, depois voltando à Europa. A experiência, contudo, fez crescer no casal o desejo de viver melhor o Brasil. Já de volta, fizeram uma longa peregrinação pelo país, devotados à idéia de encontrar um "canto verde" aonde pudessem criar um mundo idílico que fosse o paraíso pessoal de ambos e referência coletiva àqueles que procuram (ou tencionam procurar) elementos embrionários de uma revolução que não deve furtar-se a evoluir primeiro o indivíduo.

Catalogando pessoas anônimas que são poços riquíssimos em desprendimento, qualidades e devoção à Utopia, o casal visionário acaba por se e nos revelar a vastidão complexa do mundo-Brasil que, heterogêneo, pode (e tende a) ser ruim ou bom. Mas é, primeiro e substancialmente, uma extensa colcha cujos principais retalhos estão construindo um sonho colorido, vivo e pulsante; estão cosendo uma fantasia possível chamado Brasil.