Era uma vez em Tóquio

 

ERA UMA VEZ EM TÓQUIO

Miguel Carqueija

 

Resenha do filme “Tokio monogatari” (Era uma vez em Tóquio). Shochiku, Japão, 1953. Direção: Yazujiro Ozu. Produção: T. Yamamoto. Roteiro: Kogo Noda e Yazujiro Ozu. Fotografia: Y. Atsuta. Direção de arte: Tatsuo Hamida. Música: Takanobu Saito. Com Shishu Ryo (Shukichi Hirayama), Chieko Higashiyama (Tomi Hirayama), Setsuko Hara (Noriko Hirayama), Haruko Sugimura (Shige Kaneko), So Yamamura (Koichi Hirayama), Kuniko Mitake (Fumiko Hirayama), Kyoko Kagawa (Kyoko Hirayama), E. Tono (Sanpei Numata), N. Nakamura (Kaneko), S. Ojaka (Keizo Hirayama), H. Toake (Hattori).

 

Yazugiro Ozu (1903-1963) é sem dúvida um dos maiores diretores de todos os tempos e considerado o cineasta das relações humanas. Este seu “Tokio Monogatari” ou “Era uma vez em Tóquio” é tido como um dos melhores filmes da história do cinema.

É uma película longa porém extremamente sensível, em preto-e-branco, minimalista na maneira como mostra paisagens, ruas, chaminés, ou o interior da residências, um poema filmado mostrando a vida.

É tristemente belo. Sem cenas chocantes, brigas ou violências, sem linguagem suja, vai porém abordando um assunto delicado da sociedade: a indiferença das gerações mais novas para com os idosos.

Um casal, Shukichi e Chieko Hirayama, sai da tranquilidade de sua pequena cidade, onde morava com a filha solteira (Kyoko) para visitar os parentes na capital: filho, filha, genro e nora, e netos. O pouco caso dos meninos é só o começo; logo os adultos, após a recepção cheia de mesuras e sorrisos como é costume japonês, mostram enfado com a presença dos velhos. Dão despesas e ninguém tem tempo de passear com eles, mostrar a cidade. O genro médico não tem tempo, tampouco Shige, a filha dona de salão de beleza. Sem alternativa pedem a Noriko, a nora viúva (o marido desaparecera na guerra) que passeie com o casal. Noriko, que é pobre e trabalha fora para sobreviver, é uma mulher ainda jovem, muito simpática e bondosa; ela se desdobra para servir de cicerone aos sogros, e para tanto pediu uma folga no trabalho.

Ela faz com esmero o que os filhos se esquivaram.

Como não pudessem tornar a pedir esse favor, os outros parentes resolvem mandar o casal para a estância termal Atami, onde eles nem conseguem dormir por causa do barulho. Quando tentam voltar para a casa da filha Shige, descobrem que o espaço de hóspedes está ocupado. Os velhos afinal, aceitam filosoficamente sua sina. “Bem, enfim ficamos sem teto.” “Shige era mais gentil antes.” “Os filhos nunca se tornam o que os pais esperam.”

Sem grandes dramas, com os velhos desprezados apesar de tudo mantendo o bom humor, o drama mostra como Noriko continua sendo bondosa e acolhe a sogra naquela noite, enquanto o sogro toma um porre com dois amigos que reencontrara em Tóquio. O apartamento de Noriko era por demais pequeno e não tinha um aposento onde um casal pudesse ficar.

Noriko, que não voltara a casar, é protegida por sua bondade, agora finalmente reconhecida pelos sogros, pois ela os tratou com amor de filha (e só ela fez isso); mas no íntimo sabe que poderá envelhecer sozinha e abandonada. Kyoko, a boa filha que morava com o casal, queixa-se a Noriko do comportamento dos demais parentes, interesseiros nos poucos bens deixados pela mãe e sogra, que na viagem de volta falecera de mal súbito. Em suma, a desculpa é que os mais novos deviam “levar as suas próprias vidas”.

Essa frieza, esse egoísmo, essa ingratidão para com os pais, já devia ser comum no Japão em 1953 – como em geral na sociedade moderna, no Brasil também — uma triste realidade tão bem retratada nessa obra-prima.

 

Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2023.