Uma Doce Mentira

Em mais um filme muito bonitinho, Audrey Tautou interpreta Émile, uma cabeleireira que recebe uma carta anônima de amor de Jean, seu tímido funcionário que sempre a observava escondido. Na verdade, Jean é um poliglota estudioso envolvido em assuntos internacionais de diversos países. Ele foi demitido por agredir seu chefe e, desde então, decidiu se esconder e aceitar um trabalho mais tranquilo, tornando-se auxiliar de manutenção no salão que Émile é dona.

Sem saber a verdadeira identidade do autor da carta, sua primeira reação é jogá-la no lixo. Mas ela tem a magnífica ideia de transcrever a carta e dá-la de presente para sua mãe, Maddy, que se tornou triste e amargurada desde que o marido a deixou por uma mulher mais jovem.

Se você se interessou, deixe de ler esse texto aqui, pois irei dar spoiler.

Gosto muito de romances epistolares, e logo no começo do filme, a carta que Jean escreve para Émile é muito bem escrita e inspirada.

Na carta, ele diz: "Émile, vivo pela alegria de te ver. Meus olhos são o meu coração e os meus pulmões. Se eu os fechar quando você passar, meu corpo doerá, com falta de ar. Émile, você passa por mim sem perceber. Não pode imaginar meu nervosismo, meu amor e meu olhar. Às vezes odeio aqueles que ficam entre nós... e os adoro quando saem da frente para que eu volte a vê-la. Émile, cada vez que você passa por mim, eu me encho de alegria. Émile, cada vez que você passa por mim, eu me encho de dor. O excesso de amor e a falta de coragem fazem de mim um fantasma. Minhas belas palavras fazem desta uma péssima carta anônima. Como um cheque em branco, sem valor. Escrevo esta carta sem expectativas... mas espero que a alegria de ser amada te faça bem. Você é linda, enigmática e nunca me decepciona. Você nunca será minha. Essa é minha sina. Mas aceite, Émile, meus sinceros, ardentes... e anônimos sentimentos.

Não é belo? É incrível como a arte tem essa capacidade de roubar nossas próprias palavras, do que gostaríamos de dizer para a pessoa amada, mas não conseguimos, por falta de capacidade.

Mas Émile, que é uma pessoa de, digamos, poucas letras e pouco espirituosa, se mostra insensível a essas palavras e, achando que quem as escreveu foi um senhor mais velho, resolve jogá-la no lixo. Mas ela tem a ideia de copiar essas palavras e entregá-las para sua mãe, Maddy, com a intenção de ajudar a melhorar sua autoestima após a perda d o marido.

Maddy recebe as palavras com muito entusiasmo, e elas têm a capacidade de revitalizá-la. Ela, então, passa a esperar novas cartas do seu suposto admirador secreto. Émile fica preocupada, porque ela não tem a capacidade de escrever tão bonito assim, mas mesmo assim ela escreve mais uma carta para sua mãe, que, nessa segunda, acha bem menos inspirada que a primeira, porque, afinal de contas, não foi a mesma pessoa que escreveu com a mesma inspiração da paixão.

Émile então se vale do álcool para encontrar inspiração e escrever mais uma carta anônima para sua mãe. Dessa vez, Émile acerta em cheio e elabora uma carta cheia de sensualidade, que instiga sua mãe. Ela pede para Jean postá-la no correio. No entanto, ele decide colocá-la ele mesmo na caixa de correio de Maddy, que o vê entregando-a e resolve segui-lo até o salão de Émile. Ela acredita que enfim descobriu o seu admirador secreto: Jean.

Émile fica muito preocupada com essa situação e decide ir até a casa de Jean, explica a situação a ele e pede sua ajuda. Ele nega prontamente participar dessa encenação. Émile então opta por escrever uma última carta para sua mãe passando-se por Jean, rompendo com ela. A carta diz o seguinte:

Maddy, eu a enganei como um covarde, escondido atrás do teclado... e agora a abandono como o covarde que sou. No espelho, vejo um homem egoísta e medroso. Um eterno aprendiz com uma vida medíocre... escondido atrás dos livros, aterrorizado pela realidade... e, além disso, fisicamente repulsivo. O mundo está cheio de homens corajosos, charmosos e viris... que a merecem mais do que eu. Adeus, Maddy, eu a liberto para o mundo. Não mereço seu perdão. Sei disso. Só peço que seja feliz, pois sei que é capaz. E porque é preciso.

Mais uma vez aqui é a arte roubando nossas próprias palavras. Mas enfim. O que segue adiante é que a mãe de Émile acaba ouvindo uma confissão da boca dela para o Jean que tudo passou de armação dela. Ela fica arrasada com Émile e Jean. Mas Jean, para reconfortá-la, vai até a casa dela para um último encontro amoroso. O Jean elogia a mãe de Émile dizendo que ela é uma mulher sensacional, muito diferente da Émile. E passam a noite juntos. E no final? Bom… o final é previsível, mas eu não vou contar, não. Quem quiser, que procure o filme para ver. Espero tê-los instigado pelo menos. Como deu pra notar, ele é muito bem humorado e bem escrito. E, como a boa arte, tem essa capacidade de traduzir às vezes nossas próprias palavras. A moral da história? Sei lá, às vezes um filme não precisa de moral, se nos entreter por mais de uma hora e meia, já valerá a pena.

Dave Le Dave II
Enviado por Dave Le Dave II em 23/12/2023
Reeditado em 24/12/2023
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