CAPÍTULO 1


1. O FAROESTE: O QUE ACONTECEU NA HISTÓRIA?

Se existe uma particularidade no western enquanto gênero cinematográfico é, sem dúvida, o fato de que dois aspectos distintos o diferenciam: a geografia e a história. O western reproduz um processo típico da História dos Estados Unidos da América, sem qualquer paralelo com qualquer outro processo de desenvolvimento das nações ocidentais e tem como pano de fundo – ou seja, como elemento geográfico – a região e as paisagens do Oeste norte americano.

Não é por outra razão que comumente se faz referência ao western como um gênero de filmes tipicamente norte americano, na medida em que os seus personagens e as estórias nele contadas guardam correlação absoluta com o processo histórico de formação dos Estados Unidos da América.

Portanto, para se ter uma idéia satisfatória da significação do oeste norte-americano, é interessante dedicar poucas linhas para descrever quais as circunstâncias históricas que transformaram o território do oeste norte americano em um ponto de convergência da mitologia de toda uma nação. Sem esta compreensão fica incompleta qualquer visão do gênero western e a sua vitalidade e apelo popular ao longo de tantas décadas.

 
Em 1828 Andrew Jackson foi eleito para a presidência dos Estados Unidos. Jackson era membro do partido Democrata e suas origens eram rurais, tendo sido plantador e dono de fazendas no Estado da Carolina. Homem de pouca educação formal, que fez fama política como general na Guerra da Independência e em luta contra os índios, Jackson é considerado como fundador de nova concepção democrática, conhecida como democracia jacksoniana.

Na visão de Jackson, a moldura social e política da Europa eram consideradas como inútil e superada. Nesta linha, Jackson aprofundou o caráter aventureiro e inovador dos cidadãos da nova nação, convocando-os a uma busca de novos horizontes na direção do oeste.

Estimulados por essa visão conquistadora, milhões de pessoas se deslocaram, em carroças e cavalos, na direção do oeste. Algumas levas se fixaram em estados mais próximos do leste, como os estados de Kentucky e Tennessee. Outros seguiam mais adiante, chegando aos estados de Indiana e Illinois, Wisconsin e Michigan. Era uma época de conquistas e de construção do american way of life , que, se de um lado se caracterizava por um estímulo desbravador, por outro abrigava a escravidão de trabalhadores negros e o massacre da população indígena.

 
Esta contradição de vivências e experiências históricas transformou a conquista do Oeste em um episódio típico para o estabelecimento de uma simbologia de cunho nacionalista, algo semelhante com o que ocorreu, no Brasil, com o movimento dos bandeirantes, considerado, em boa medida, responsável pela fixação dos limites territoriais da nação brasileira e pelo processo de interiorização da ocupação do Brasil.

Já em 1836, ou seja, menos de uma década depois da eleição de Jackson, um fato histórico marcava a importância do Oeste como elemento da consolidação nacional para os americanos. Trata-se da Guerra do Álamo, travada no Texas, entre as tropas da República do México, comandadas pelo General Santa Anna e as forças rebeldes do Texas, em um cerco que durou treze dias e que se findou com o massacre dos rebeldes norte-americanos que ocupavam o Álamo.

Nesta batalha, pereceram heróis americanos como Jim Bowie e Davy Crocket, que, no século seguinte, seriam continuamente representados em diversos filmes de western, tais como Heroes of the Alamo (1937), de Harry L. Fraser, e Alamo, The (1960), dirigido por John Wayne, filme no qual o próprio John Wayne viveu Davy Crocket e Richard Widmark encarnou Jim Bowie.

Depois da Guerra de Secessão (1860-1865), que dividiu os EUA em uma guerra civil de graves conseqüências, o oeste passa a refletir não apenas um novo território para conquista, mas principalmente a região para onde migram os marginalizados e desvalidos criados pelos efeitos sociais e econômicos do conflito. É a época dos fora da lei (outlaws), dos pistoleiros de fama, dos xerifes e delegados que representavam a lei – por vezes, na defesa de interesses particulares escusos –, das famosas quadrilhas de bandoleiros e assaltantes.

 
Esta é a época de notórios fora da lei como Billy the Kid, Jesse James, Butch Cassidy e Sundance Kid. De delegados como Wyatt Earp, Pat Garrett e Bat Masterson. De pistoleiros como Doc Holliday, Jane Calamidade (Calamity Jane) e John Wesley Hardin.

Este lado mais sombrio da história do oeste também rendeu uma infinidade de filmes. Ainda no tempo do cinema mudo, o bandoleiro Jesse James veio às telas, vivido pelo seu próprio filho, Jesse James Jr., em dois filmes feitos em 1921, ambos dirigidos por Franklin B. Coates: Jesse James Under the Black Flag e Jesse James as the Outlaw. Já Billy the Kid foi ainda mais rápido e já em 1911 surge nas telas em Billy The Kid, dirigido por Lawrence Trimble. Billy the Kid faria uma longa ‘carreira’ no cinema, sendo retratado em dezenas de filmes, dos quais se pode destacar The Kid from Texas (1950), dirigido por Kurt Neumann com Audie Murphy no papel principal e Pat Garret & Billy the Kid (1973), de Sam Peckinpah, no qual o jovem bandido é vivido pelo cantor country Kris Kristofferson.
Os delegados e homens da lei também mostraram suas estrelas de prata pelas telas do mundo. Henry Fonda viveu Wyatt Earp no excelente Paixão de Fortes (My Darling Clementine) (1946), de John Ford. Bat Masterson foi interpretado por Joel McCrea em Gunfight at Dodge City (1959) sob a direção de Joseph M. Newman, vindo a se tornar uma figura popular com a série de Tv produzida no final dos anos cinqüenta, com Gene Barry.

Os pistoleiros, aquelas criaturas solitárias e marginais, que faziam da sua habilidade com as armas um estilo de vida, e que foram, como mais adiante se verá, o tipo de personagem mais recorrente no western spaghetti, também marcam presença desde o alvorecer do cinema. Em 1922, Calamity Jane surge no filme mudo My Old Kentucky, de Ray C. Smallwood; em 1936, Jean Arthur dá vida à pistoleira em The Plainsman, de Cecil B. de Mille. Doc Holliday, o pistoleiro consumido pela tuberculose, foi magistralmente vivido por Victor Mature em Paixão de Fortes (My Darling Clementine) (1940) e também por Kirk Douglas em Sem Lei e Sem Alma (Gunfight at the Ok Corral) (1957), de John Sturges.

 
Mas não só a História e seus personagens foi o único substrato valorizado pelo gênero western. Profundamente marcado pela geografia que atua como pano de fundo para as narrativas, o western é um gênero que eleva a paisagem natural a elemento dramático consistente, indissociável, em muitas oportunidades, da própria mensagem dramática que alguns filmes visam veicular.

Neste sentido, são vários os filmes que trazem, no próprio título, esta íntima correlação com a geografia, estampando nomes de cidades, Estados e regiões geográficas determinadas do oeste americano.

Como exemplos, vale citar Santa Fé (Santa Fé Trail) (1940), de Michael Curtiz, San Antonio (1940) de David Butler, Vera Cruz (1954) de Robert Aldrich, Oklahoma (1955) de Fred Zinemann .

Noutras vezes, a menção ao aspecto geográfico não é tão evidente como nos exemplos anteriores, mas o espectador, ao assistir ao filme, percebe que a trama se estrutura fortemente apoiada nas condições geográficas circundantes. É um bom exemplo desta tendência A Conquista do Oeste (How the West Was Won) (1962), de John Ford e Henry Hathaway, e ainda o mais recente O Estranho sem Nome (High Plain Drifter) (1972), de Clint Eastwood.

 
O western spaghetti também vai recorrer, em algumas oportunidades, a este recurso de abordagem, inserindo o ambiente geográfico como elemento decisivo na trama, de forma mais intensa do que o próprio cinema americano. Esta abordagem vai servir como elemento de influência na narrativa cinematográfica de filmes norte americanos produzidos ao longo dos anos setenta e oitenta, a exemplo do já mencionado Estranho sem Nome (High Plain Drifter) e também Silverado (1985) de Lawrence Kasdan.

Todos estes elementos compõem, de forma particular, o gênero do western. Como é natural, não poderia o western originar-se em nenhum outro meio cultural que não o dos Estados Unidos da América; afinal é sobre parte da região e da vivência histórica e social deste país de que cuida este gênero. Isto implica em analisar como um gênero tão próprio de uma certa nação transmudou-se para outro país, com características absolutamente diversas, e conseguiu afirmar-se de maneira tão marcante que resultou em um ciclo cinematográfico que perdurou, com sucesso inegável, por mais de uma década.

No entanto, antes de atravessar o Atlântico rumo à península itálica, é preciso comentar, ainda que brevemente, o desenvolvimento do gênero em seu país de origem, sua ascensão, seus grandes momentos, o seu declínio, as suas transformações, já que este panorama permitirá entender como e de que maneira se processou a absorção do western pelo cinema italiano, a partir dos anos sessenta.