A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen

Assim são os filmes de Woody Allen: não são super produções; não são hollywoodianos (Hollywood nem sequer gosta dele); são inteligentes; são, em sua maioria, comédias, ou pelo menos são dramas com bom humor; são nostálgicos; neles os homens comuns podem tudo - amam belas mulheres, participam de revoluções, assaltam bancos, revivem “Guerra e Paz”, sentem-se uns Fellinis, são mestres camaleônicos na arte da sobrevivência, mas, antes de tudo fazem reflexões e ensaios magistrais sobre a vida.

E quando o assunto é cinema, Woody Allen tem muito para dizer, como em “A rosa púrpura do Cairo”.

Considerado por muitos, e pelo próprio autor, o seu melhor filme, a “Rosa Púrpura do Cairo” compõe com “Broadway Danny Rose” e “Zellig”, a época mais criativa de Woody Allen.

A Rosa Púrpura, no entanto apresenta duas vantagens. Fala sobre o cinema e não tem o diretor como protagonista. O motivo é simples; Woody não poderia ser o galã, pois ele não é galã, é feio e desengonçado, a sua voz é irritante e ninguém o suportaria se não fosse tão inteligente e engraçado. Não poderia ser, também, o marido desempregado e violento, pois é uma pessoa gentil e até frágil. Logo, não há lugar para o ator Woody Allen em A Rosa Púrpura. Tanto melhor, pois ganha o filme em roteiro e direção. E podemos apreciar a grande atriz que sempre foi Mia Farrow, na época casada com o diretor, uma maravilhosa Cecília, meiga e delicada, garçonete que paga as contas em casa e que se intoxica com os sonhos dos filmes de Hollywood, na década de trinta.

É uma época dura, de recessão econômica, onde as tensões sociais se resolvem nos cinemas, templos dos sonhos da época, onde era vendido o glamour das Vênus platinadas, a beleza dos musicais, a aventura dos safáris na África, em oposição à realidade do dia-a-dia do desemprego, da fome e da falta de perspectivas. Hollywood vendia, simplesmente, o american-way-of-life, o sonho americano da liberdade e da riqueza para os imigrantes que fugiam da opressão no velho continente, onde, aliás, se preparava uma carnificina monumental, um sacrifício bestial, na segunda grande guerra. No intervalo entre guerras, o público cinematográfico sonhava. E Cecília era o arquétipo do espectador da época. Queria penetrar na tela, viver o mundo do glamour.

Mas quem não se encanta com os filmes da época? Quem não gostaria de entrar na tela de um daqueles filmes e viver de sonhos? Em um outro filme sobre a época, Bonnie and Clyde (Por uma rajada de balas – Artur Penn 1967), há uma cena, logo após um assalto, em que Clyde é obrigado a atirar no rosto de uma pessoa; estão num cinema escondidos. Na tela, um filme de Bubsy Berkeley, o mago da coreografia, onde um grupo de dançarinas canta “I want money”. Clyde discute com o comparsa, havia acabado de assassinar alguém. E Bonnie manda-o falar mais baixo, pois está atrapalhando o filme. Bonnie era, também, como Cecília, uma espectadora cheia de sonhos, só que violenta e ambiciosa.

A doce Cecília nunca encontrou um Clyde Barrow, um verdadeiro aventureiro capaz de mudar a sua realidade. Em seu lugar, vê o próprio galã do seu sonho, o jovem aventureiro, Tom Baxter (Jeff Daniels) descer da tela, comovido pela sua presença constante na platéia, para encontrá-la. E a partir desse absurdo, o filme desenvolve várias situações inusitadas, que se resolvem quando o personagem retorna à tela.

Ao fim, vemos Cecília no cinema, assistindo, embevecida, a cena da dança de Fred Astaire e Ginger Rogers, cantando “Heaven, I’m in heaven”, há novo filme em cartaz e podemos continuar sonhando com o céu.

Título Original: The Purple Rose of Cairo

Gênero: Comédia

Tempo de Duração: 81 minutos

Ano de Lançamento (EUA): 1985

Estúdio:

Distribuição: Orion Pictures Corporation

Direção: Woody Allen

Roteiro: Woody Allen

Produção: Robert Greenhut

Direção de Fotografia: Gordon Willis

Desenho de Produção: Stuart Wurtzel

Direção de Arte: W. Steven Graham e Edward Pisoni

Figurino: Jeffrey Kurland

Edição: Susan E. Morse

Elenco

Mia Farrow (Cecilia)

Jeff Daniels (Tom Baxter / Gil Sheperd)

Danny Aiello (Monk)

Irving Metzman (Administrador do cinema)

Stephanie Farrow (Irmã da Cecilia)

Edward Herrmann (Henry)

John Wood (Jason)

Deborah Rush (Rita)

Van Johnson (Larry)

Zoe Caldwell (Condessa)

Eugene J. Anthony (Arturo)

Karen Akers (Kitty Haynes)

Annie Joe Edwards (Delilah)

Milo O'Shea (Padre Donnelly)

Camille Saviola (Olga)

Juliana Donald (Usherette)

Dianne Wiest (Emma)

Sinopse

Em área pobre de Nova Jersey, durante a Depressão, uma garçonete (Mia Farrow) que sustenta o marido bêbado e desempregado (Danny Aiello), que só sabe ser violento e grosseiro, foge da sua triste realidade assistindo filmes. Mas ao ver pela quinta vez "A Rosa Púrpura do Cairo" acontece o impossível! Quando o herói(Jeff Daniels) da fita sai da tela para declarar seu amor por ela, isto provoca um tumulto nos outros atores do filme e logo o ator que encarna o herói viaja para lá, tentando contornar a situação. Assim, ela se divide entre o ator e o personagem.