“A Firma” (The Firm)

“A Firma” (The Firm)

 

 

 

 

Uma coisa que chama a atenção (deixa o conteúdo pra lá...) em “A Firma” continua sendo o poder de síntese e ou comunicação condensada durante os primeiros 7 minutos do filme. Muita gente tenta, poucos conseguem.

 

Pollack (diretor) abre com os remadores de Harvard, depois para o tráfego da cidade, depois para alunos checando notas, corta para Cruise fazendo entrevistas e recebendo elogios, outras entrevistas, depois Cruise jogando basquete, tudo em movimento, tudo isso movido ou sonorizado por um único instrumento musical – o piano de Dave Grusin. Tem-se a impressão de que ele está tocando ao vivo.

 

O que deixa a desejar repousa na forçação de barra do maquiavelismo da Firma sobre o recém chegado e ultra feliz jovem advogado Tom Cruise.

 

Na década de 90 J. Grisham (autor da obra) fez um gol atrás do outro e olhe que os americanos até hoje correm atrás de “O Dossier Pelicano”, 11.232.480 cópias somente nos Estados Unidos.

 

Descontando a observação do terceiro parágrafo, ou antes, para compensar, além da lustrosa direção de Sidney Pollack incautos e veteranos podem se regozijar com as aparições de Gene Hackman, Holly Hunter, Gary Busey, Paul Sorvino , Ed Harris e mais uma fila de contratados lustrosos.

 

Os representantes da Bendini,Lambert&Lock oferecem para Cruise 96.000 US Dólar ao ano, mais casa, uma 500 SEL nova em folha (Mercedes- Benz), título de sócio do melhor clube da cidade e aumento de 5% no segundo ano.

 

A mulher dele pergunta: uai? (Why?).

Mulheres...

 

O que Pollack, Cruise, Grisham e reunidos te oferecem são 155 minutos de cinema acima da média. Cara, para os padrões de hoje, “A Firma” ainda dá lucro, sobretudo considerando o vosso lucro nesse imbróglio delirante do sr. Grisham nada além de comer pipoca, raciocinar um bocadinho e ver bons desdobramentos de roteiro/ambientação/direção cujas poucas derrapagens são apenas frutos da linguagem da época. Qual, nossa presente época também transborda linguagens derrapantes.

 

Ainda incluso nesse pacote de 7 minutos (que na verdade são 6 e uns quebrados), Cruise recebe A Proposta dos representantes e há aí um gesto de cavalheirismo genuíno do século retrasado.

 

- Um advogado da sua envergadura (Cruise ainda não havia passado na Ordem) não precisaria abrir esse envelope para saber o que ele contém.

 

Ora, toda história de ficção que pretende recriar a realidade lida com signos pertinentes. Com isso se almeja dizer que num enredo como esse não irá aparecer do nada um vampiro usando uma capa vermelha ou um robô transformer perseguindo a Mercedes (nova em folha) de Cruise, simplesmente porque não seria pertinente. Entretanto, o cavalheirismo dos advogados seniores para com o novato pode não ser real, mas é plausível. Ele foi perfeitamente desenhado para encaixar-se nos códigos receptores que assistiram ao filme no ano de seu lançamento, 1993.

 

Algo para se pensar.

 

Aos 6 minutos (e uns quebrados) breca o piano e a mulher (Jeanne Tripplehorn) indaga: por que? Aos 7 minutos Grusin (o pianista), põe a mão na trilha de novo e o casal já está em Memphis, para conhecer a firma in loco.

 

Pouco tardará para o noviço deparar-se com agente do FBI Ed Harris, que vai lhe explicar que nos últimos 10 anos 4 advogados da firma foram para o outro lado de modo nada natural e que o jogo da empresa é exatamente esse: colocar o peão numa gaiola dourada, incentivar o peão a procriar, e tão logo ele se acostume com filhos em bons colégios e casa com piscina ele fica sabendo que tudo não passa de uma maracutaia de alto nível. Só existem duas saídas: caixão ou cumplicidade.

 

Reses solitárias sempre foram um alvo fácil e os lobos sempre souberam disso, daí as matilhas. O mesmo funciona com o gangsterismo – o gangster de uma nota só fragiliza-se, em contrapartida ao gangster associado.

 

A escolha do elenco é precisa, o sujeito que aparece na pele de Sonny Caps – o tipo físico do ator e a inflexão de voz fazem absoluta questão de mostrar, estereotipar ou discriminar quem tem rios de dinheiro, mas carece de legiões de advogados para manutenção de sua posição. Insatisfeito com A Firma, ele está prestes a dispensar os seus serviços.

 

Gene Hackman vai piano no papel de quem vendeu a alma embora necessite continuar por aqui, sem alma, para lidar com os trâmites. E vem mais cavalheirismo, ao explicar para Sonny:

 

- Pense um pouco, nós arrumamos negócios para você. Nossos outros clientes podem ser sensíveis quanto a expor o relacionamento deles para advogados de fora.

 

A Firma (seria o caso de indagar – quantas dessas não existem?) é uma fachada para os negócios da máfia e nenhum dos seus executivos se fia na passagem bíblica – insensato, que vais fazer com esse celeiro, se nesta noite mesmo irás partir?

 

Grisham conhece essas coisas, evangélico batista tradicional, durante anos perambulou pelo nosso Pantanal integrando uma junta de missionários estadunidenses. Ajudaram igrejas locais e construíram uma quadra esportiva em Corumbá. Em todo o planeta ele já vendeu mais de 250 milhões de exemplares.

 

O ponto alto de “A Firma”, além da ausência total de mortos vivos se expressando por monossílabos, está em como Cruise dá a volta por cima, de forma tão mirabolante quanto os ardis da firma e com uma tenacidade digna de livro e filme. Tudo o que se espera de um herói sem fantasia, super poderes ou mesmo um AK-47.

 

Para isso ele vai contar com a ajuda de Holly Hunter, impagável na primeira cena que aparece, lembrando uma evadida do manicômio, e na segunda, como um autêntico coelho assustado.

 

A parábola da firma está par e par com a história real de um cadeirante sem cadeira, ele se arrasta na avenida por questões de marketing e fatura 15.000/mês. Informação vinda da boca do cavalo. Ele não só é um dos melhores clientes das lojas do pedaço como serve as mesmas de dinheiro miúdo.

 

Abby, a esposa, anseia pelos tempos em que eles dividiam uma breja e uma pizza com dois tostões.

 

O cadeirante, que faz performance real de aleijado pré-medieval sustenta uma numerosa família com a renda que arrecadada. É isso aí, estamos sempre à serviço de alguém. Faz parte do jogo. Não existe espaço desocupado no universo.

 

Cruise terá de ocupar o dele.

 

Dada altura ele visita o irmão inexistente que mora no xadrez e lhe conta:

 

- Acho que estou numa roubada.

 

- Você já contou para Abby? – indaga o irmão.

 

O papo é o seguinte com o personagem de Cruise – a mãe vive num trailer e o irmão vai assistir o fim dos tempos atrás das grades. Com esse background, uma oportunidade como a firma não pode ser descrita em palavras. Ele lamenta:

 

- Gostaria que essa descoberta não fosse real – e emenda – nada é real até que eu conte para Abby.

 

Mulheres...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 10/05/2011
Reeditado em 23/12/2021
Código do texto: T2960865
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