SEXO E CASAMENTO - SOBRE O FILME "INTIMIDADE"

ÍNTIMO E CASUAL

Intimidade, de Patrice Chéreau, é uma

pérola perdida sobre sexo e casamento

Nas lojas (nos sites, preferindo), como parte da belíssima Coleção Lume Filmes, que traz clássicos do cinema cult, Intimidade (Intimacy), vencedor do festival de Berlin de 2001. Intimidade tem a direção de Patrice Chéreau, que tem no currículo o badaladíssimo A Rainha Margot. Me lembro quando no ano de seu lançamento a produção Inglesa – que obteve uma boa coleção de prêmios – era divulgados nos cadernos de cultura de nossos jornais, e a estranheza do discurso do diretor francês que falava numa entrevista que seu filme não era “sobre sexo”. A polêmica que cercava o filme girava em torno da questão sobre terem sido apelativas e desnecessárias as cenas de sexo explícito nele contidas. Um fato na indústria do cinema é que pouquíssimos são os filmes sérios que fizeram uso de cenas explícitas de sexo. Último Tango em Paris, por exemplo, não tem – ao contrário do que alguns pensam – cenas explícitas. Talvez, se não me falha a memória, o único filme de sexo explícito que obteve sucesso e status de grande cinema foi O Império dos Sentidos. Pois bem, se comparado com o clássico erótico japonês, eu poderia dizer que Intimidade não é mesmo um filme sobre sexo. As cenas certamente não são tão explícitas quanto se dizia na época do lançamento, e os temas que permeiam a trama vão muito além do erotismo, que, aliás, não dá o tom filme que é bem mais triste do que sensual.

Uma coisa que muito me interessa – a mim e qualquer pessoa com os padrões de saúde pós-Revolução Industrial – é erotismo. Porém, cinéfilo, fico às vezes um tanto frustrado com a forma como sexo é filmado. Eu, sinceramente, esperava mais ousadia da nova cinematografia. Nos anos sessenta e setenta já se fazia o que se faz hoje. Enquanto os filmes de ação vêm caprichando no realismo – dispensando, inclusive e sempre que possível, o uso de dublês –, minha impressão é que as cenas de sexo não tiveram qualquer evolução. O cinema pornô é uma outra coisa. Pornô não me interessa: não como arte. E filme pornô é aquela coisa monótona e mal acabada, meramente visual, voltada para a masturbação masculina, e pronto. Porque não existe no cinema um meio termo entre o drama sério e o pornô, sem que se perca a qualidade e a ênfase estética? Mas não, esta categoria de filme inexiste. E há aqueles horrendos “pornôs com estória”. Quando Intimidade foi lançado o tipo de filme que se alardeava ser era algo revolucionário no campo do cinema erótico. Não precisava tanto alarde, pois o filme não se enquadra, de modo algum, no estilo erótico. Mas é claro que as cenas de sexo assim como o restante do filme são muito bons. Pois bem. Sabem o que aconteceu depois de todo o barulho? O filme não foi exibido no circuito. E também não foi para as locadoras. O filme sumiu. Isso mesmo. E foi esquecido. Aqui no Brasil, sei que foi exibido no festival de cinema do Rio, e depois sumiu. O vencedor do festival de Berlim desapareceu como um exilado político. Sob que circunstâncias tal fato teria se dado? Será que as distribuidoras não saberiam onde encaixá-lo, não saberiam como rotulá-lo, em que prateleira colocar? Ou será que há uma censura extra-oficial operando secretamente de forma absolutamente sutil? Quanta bobagem. Será que estou viajando? Talvez minhas suspeitas estejam mal fundamentadas e mesmo mal formuladas, inocentes talvez. Mas, por outro lado, como explicar o sumiço de um excelente filme sobre amantes, perfeito para o público consumidor de cinema de arte? Um filme que foi sucesso na Europa...

Bem. No ano passado, uma década depois do surgimento do filme, a Lume Filmes lança Intimidade junto com uma grande leva de ótimos filmes. Paguei mais de cinqüenta reais pelo DVD. Caro. Contudo, pela raridade do filme e pela expectativa que eu tinha, achei que foi uma bagatela, ou, na pior, um preço “justo”. E não dá pra esperar por um filme desses na TV a cabo. Bem. Indo então ao ponto. O filme é bom? Vamos lá. A trama é simples. Jay (interpretado por Mark Rylance) é um homem de quarenta e poucos anos, divorciado e vive só num apartamento caindo aos pedaços e cheio de bagunça, livros, papéis, poucos móveis, CDs que ainda não foram retirados da caixa desde a mudança. Sente saudade dos filhos e da vida de casado, embora a separação tenha sido opção sua. Ex-músico, Jay agora trabalha em um bar. Nas quartas-feiras recebe em seu apartamento a visita de Claire (Kerry Fox ), também quarenta e poucos. Uma elegante mulher, Claire, apesar de triste e angustiada, visivelmente incompleta. Ambos nada sabem um do outro, jamais conversam: apenas fazem sexo. E o fazem com ardor e urgência. Um dia Jay segue Claire e descobre que ela é uma atriz e trabalha num pequeno teatro num subúrbio londrino onde encena Tenesse Willians com um grupo de amadores. Descobre também que ela é casada e que seu marido taxista e o pequeno filho a acompanham em suas apresentações no pequenino e modesto teatro. Claire adora atuar, mas não se reconhece como boa atriz. Seu marido feio, desajeitado, gordo e acabado não gosta de teatro, mas decide ainda assim apoiar e esposa amada em seu hobbie. Contar mais do que isso seria contar todo o filme. E se já contei demais é porque a trama simples não é o que mais importa neste filme, embora seja uma estória que mantenha o interesse. Do ponto de vista da direção o filme é primoroso. É experimental, mas não excessivamente. É cru, mas não isento de emoção. Todas as cenas têm boa plasticidade. Câmera bastante criativa – manual em alguns momentos –, contribuindo para a criação de um clima de tensão, ótimo uso da luz, boas cenas externas mostrando uma Londres sem qualquer tipo de glamour. E as cenas de sexo – que são o que tornam Intimidade um filme verdadeiramente especial – são excelentes. E elas são, pasmem, pouco eróticas. Não tocam tanto na libido do expectador, pois são cenas tristes. Há uns dois momentos de sexo explícito de fato, como uma cena em que a atriz Kerry Fox – premiada com o Urso de Ouro – faz um breve sexo oral. Na maioria das cenas eróticas não se pode ter tanta certeza de que o que está sendo filmado é sexo “de verdade”. O filme mostra, sim, nus frontais com muita naturalidade. E toda a naturalidade do sexo do filme aliada à angústia de seus personagens faz com que, do ponto de vista erótico e sensual, ele seja nada além de morno. O melhor do filme – para a decepção dos que buscavam nele um filme pornográfico – está, portanto, nos dilemas de seus protagonistas permanentemente tristes e inseguros. As interpretações são muito convincentes, sendo a da expressiva Fox magistral. Seu olhar triste e seu silêncio confuso em toda a primeira metade da trama faz com que sintamos verdadeiramente pena de Claire. Porém quando ela é mostrada atuando como atriz amadora no humilde palco underground, ou quando dá suas aulas de encenação para o grupo amador que sempre a rodeia, o que se vê é arrebatador: a verdade das frustrações e angústias daquela mulher é quase documental. Intimidade parece mostrar pessoas de verdade, seus personagens são construídos com maestria, apesar da economia de diálogos. E são pessoas comuns. São pessoas de baixa classe média andando a pé pelas ruas movimentadas. O casal do filme em nada se parece com modelos ou superastros do cinema. Seus corpos são absurdamente comuns – e isso foge do padrão pré-estabelecido pela indústria que usa e abusa dos dublês de corpo e, mais recentemente, dos photoshops e afins. Seus dramas são, da mesma forma, comuns. Clair é profundamente frustrada em seu casamento e busca prazer com Jay. Contudo não pretende deixar seu marido, que tanta atenção lhe dá, tendo este inclusive paciência com sua improdutiva carreira de atriz. Quanto a Jay, é um homem desapontado com o casamento, mas que, no fim das contas, descobre que o sexo casual praticado com Claire é algo digno de uma nova união – o que provavelmente não ocorrerá. Enfim, vidas incertas e incompletas, como é a vida.

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Intimidade (Intimacy, França/ Reio Unido, 2001);

Direção: Patrice Chéreau

Elenco: Mark Rylance, Kerry Fox e Timothy Spall;

DVD: Lume Filmes.