"Contatos de Quarto Grau" (The Forth Kind)

"Contatos de Quarto Grau" (The Forth Kind)

Olatunde Osunsanmi resolveu contar essa história de um modo complicado mas, atente bem, não nos esqueçamos de que Olatunde é um artista, sendo portanto nosso dever encarar a complicação como um desafio para a inteligência e não uma mera complicação.

Como um artista, suponho, (atente bem), ele

quis transmitir para nós algo próximo do estado de paralisante incógnita que os habitantes de Nome, Alaska, experimentaram durante 9 dias em outubro de 2.000.

Milla Jovovich interpreta a psicóloga Abigail Tyler, que aparece logo no início do filme dialogando com o diretor, ou antes, sendo entrevistada por ele, e, por diversas vezes ao longo da trama, a tela abre espaço para a psicóloga real e a atriz efetuarem uma divisão nos sistemas de captação do espectador, que assiste o mesmo fato em cinema e vídeo caseiro.

“Contatos...” baseia-se nas 65 horas de áudio e vídeo coletados pela doutora Tyler e dramatizados com aguçado saber de cinema por Osunsanmi.

De novo, os “rotuladores de caixinha” agiram de forma ou impensada ou pensando no marketing rápido para obter lucro extra (ou uma redução da carga horária...), já que o rótulo Terror em instante algum condiz com o documento retratado.

Dra. Tyler e o marido conduziam uma pesquisa para o governo sobre abdução alienígena, quando o marido sofre, digamos, uma morte súbita. Ela prossegue na pesquisa e em 01/10/2000 atende um paciente com problemas para dormir. Ele diz que vê uma ave noturna. Dra. Tyler o submete a uma sessão de hipnose. Durante o transe, ele descarta a ave e se atém a algo por demais aterrorizante para ser descrito e que vem incomodando-o há um bom tempo. Dois dias depois ele se suicida, não sem antes efetuar o passamento da mulher e do filho. Dois dias depois, atente bem, estamos falando em 03/10. Entre 01 e 03 boa parte dos pacientes da psicóloga chegam no consultório apresentando os sintomas da insônia e da ave. Bastou um par de dias para se descobrir que cerca de 300 habitantes de Nome apresentavam o mesmo quadro...

Nome é uma pequena cidade com menos de 4.000 habitantes (3.570 de acordo como censo de 2008), localizada em Norton Sound, península banhada pelo Mar de Bering. Ou seja, onde Judas tiritou. Não obstante, dos anos 60 para cá, já recebeu mais de 3.000 visitas do FBI, e pode apostar que nenhuma delas tinha relação com assalto a banco ou devolução do imposto de renda. O que essas 3.000 visitas tiveram em comum foi a tarja de investigação inconclusiva, no final de cada relatório.

As pedras na gangorra não desmontam as estatísticas – mais de 11 milhões de pessoas na América tiveram algum contato com OVNIS, desde os anos 30, e cada vez que alguém vê alguma coisa estranha o outro lado da gangorra matraqueia arremessando o de sempre: balões metereológicos, efeitos atmosféricos, ilusão de ótica, alucinações hipnótico-cognitivas.

Fatos concretos, clamam especialistas pseudos. Afinal, o que querem? O Certificado de Reservista do ET?

Dra. Abigail tem ou tinha um carma federal com outro mundo - considerando que tudo no cosmos está conectado - e sua declaração final sobre a sensação de ser abduzida equivale ao maior sentimento de desesperança que um ser humano possa ter.

Osunsanmi não poupou esforços ao desencavar os fatos, e é hora de entrar em cena o doutor Awolowa (nome fictício para um personagem real), convidado pela psicóloga no decurso dos acontecimentos em 2.000 e posteriormente tendo se tornado um dos corroboradores da película. Ele ouviu uma das fitas. Eis o início do seu veredicto:

- É uma gravação da língua suméria falada. A língua mais antiga da história da humanidade foi gravada no seu quarto.

Ora, considerando que em nosso planeta não se fala sequer um “oi” em sumério nos últimos 6.000 anos, considerando que a filha de Abigail foi levada por algo incompreensível, de dentro da própria casa, com testemunhas e tudo, considerando o material coletado e as feições insofismáveis da médica, o único deslize do diretor foi o pecado da infantilidade ao exceder a quantidade de imagens/ruídos indutores, absolutamente dispensáveis, se tomarmos como verídicos os áudios e vídeos que dão origem a história.

O competente Will Patton personifica o xerife de Nome, cuja bandeira é “teje preso” sob qualquer circunstância, ainda mais sob a circunstância inexplicável. Elias Koteas atua como o anjo da guarda, o verídico Dr. Campos (mais um nome fictício), que ainda clinica na região, cético porém amigo à toda prova de Abigail, que estava prestes a ingressar na vida entre jaulas e processos, pois é como se disse, se a lei não explica, se aplica. Graças ao xerife, que dois anos depois do ocorrido se aposentou e não se dispôs a tecer maiores comentários sobre o filme, Abigail perdeu a guarda do filho pré-adolescente. Só não foi encarcerada devido ao ceticismo de Campos ter literalmente se esfacelado face a crueza dos fatos, que ele mesmo testemunhou.

Olatunde nasceu nos USA em 1977 e durante anos foi assistente do cineasta dito “à margem” Joe Carnahan (“Narc” e “A última cartada”).

Abigail foi inocentada de todas as acusações e vive hoje sob cuidados médicos na Costa Leste. Seu filho remanescente está com 22 anos e dispensa qualquer vínculo com a mãe, que ele julga culpada pelo desaparecimento da irmã. Ora, se na meia idade já é tarefa quase impossível deslindar a incrível realidade, o que não dizer de um garoto de 11 anos, órfão recente de pai e que em uma semana perde a irmã, vê cenas estapafúrdias em todo canto, inclusive da própria mãe, sem que haja, no entanto, um único fator - passível que seja - da menor compreensão.

Partindo princípio de que estamos assistindo um documento dramatizado, seria quase o caso de se dizer que o debate sobre Ufos foi finalmente reaberto com a chave multimídia, mostrando estar mais do que na hora das mentes se abrirem, pois seja lá o que for que vem por aí, ETs integram o pacote. Quase, pois ufologia é um assunto antropofágico.

Na esteira do filme surgiram protestos veementes.

O Consultor da Revista UFO, Budd Hopkins, autor com mais de 30 anos em pesquisas sobre abduções, lança máculas sobre o contexto: "Fui assistir The Forth King e me vi bombardeado com efeitos de trilha sonora - gritos – muitos gritos –, música melodramática e alta. Me perguntei como os roteiristas poderiam ter feito tantas coisas erradas. O enredo se concentra nas pessoas que sofreram aparentemente abduções e pelo menos um destes “abduzidos”, a pequena filha da terapeuta, parece que foi levada por um bom motivo”.

Ocorre que Budd não vai além. Seu martelo bate na tecla da estética proposta pelo diretor e na maneira como gritam os hipnotizados, dizendo que pessoas nesse estado não se comportam assim, mas, (atente bem), ele não entra exatamente no mérito da veracidade do fato. Todo o seu discurso subseqüente come pelas beiradas, incapaz de atingir o cerne.

Sempre a eterna história, a verdade só tem um dono...

Outro item da antropofagia diz respeito a multa que a produtora terá de pagar (15 mil euros) por ter citado recortes falsos de alguns jornais da região onde decorre a ação do filme, como parte de uma campanha de marketing.

Resumindo a notícia: “a história, essa, centrar-se-ia no rapto de alguns habitantes de Nome, Alasca (EUA), por extraterrestres e a promotora, que falsificou recortes de jornais para tornar a história mais real, foi obrigada a indenizar, em mais de 15 mil euros, os meios afetados”.

Dá pano para filósofos, mas (atente bem), o dia em que a Universal ou congêneres não forçar um pouco a barra para lotar os assentos dos cinemas, aí sim pode contar que alguém foi abduzido.

De qualquer forma, o Alaska Press Club saiu ganhando com a indenização, mas os recortes, até onde se sabe, parte deles falsificaram obituários e outra parte ligou-os ao evento da doutora. Mas não criaram a protagonista e o material de mídia.

Ora, 15 mil euros me parece um tanto irrelevante para ressarcir os remanescentes de Nome, os que não foram abduzidos, por uma história cujo tamanho da Mentira (poderia ser nome de outra cidade...), “baseada em recortes de jornais”, levou Olatunde, além de dirigir, a escrever um roteiro e “produzir” uma atriz anônima – aquela que representa a verdadeira Dra. Abigail, cujo nome não aparece no final – ou é de fato a Dra., como diz o filme, ou se fez passar por ela sem levar crédito algum, algo um tanto impensável para quem quer levar a vida na ribalta, já que “The Forth Kind”, com Milla e Will, conta pontos no CV.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 27/04/2010
Reeditado em 22/11/2012
Código do texto: T2222855
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