“Escritores da Liberdade” (Freedom Writers)

“Escritores da Liberdade” (Freedom Writers)

Necessitando de uma tradução? Escritores estão aí para isso mesmo, são os intermediários entre os mundos, os zilhares de mundos.

Rimbaud, aos 17 anos, fez uma excelente tradução: “perdi minha vida por delicadeza”.

Hilary Swank personifica a verídica professora Erin Gruwell que, em 1994, na L.A. envolta em eterna guerra de gangues, percebe que seus alunos não precisavam exatamente aprender literatura inglesa. Precisavam, isso sim, decodificar sua angústia individual em palavras próprias para daí subirem um degrau, o degrau necessário, o patamar de onde enfim se consegue ver algo além do próprio tormento.

Richard LaGravenese (“P.S. Eu Te Amo”) dirige com uma familiaridade de cinema e seus meandros que contraria sua curta lista de direções. Danny De Vitto e a própria Menina de Ouro agem como produtores. O ponto de partida é o aclamado best-seller “O Diário dos Escritores da Liberdade”, redigido pela classe multi racial da professora Gruwell e por ela organizado.

O que contém essas redações é um dos pulos do gato, outro pulo foi a sacada da mestra em achar a intersecção para unir cada mente e cada coração presente na classe.

De se tirar o chapéu sem pestanejar. O trabalho da professora Erin Gruwell pode ser classificado como um desses exemplos irradiadores de fé no semelhante, infelizmente, com raros paralelos. Ela fez o caminho inverso – ao invés de falar para os alunos, optou por escutá-los. Fórmula milagrosa e atemporal – tudo o que o ser humano precisa para se articular é um par de orelhas.

Em 1992, o-tremor-das-mentes-em-constante-opressão ensejou um vendaval nas ruas de Los Angeles, deixando um saldo de 120 mortos, tantos feridos, saques, incêndios e selvageria nas ruas. Nalgum ponto da curva da opressão a laranja espremida tem uma reação. Isso é fato. Foi devidamente anotado pelas autoridades e a partir daí o município criou o Sistema de Integração, válido para o ensino público muito apenas em teoria, já que a realidade dos oprimidos, para se defenderem uns dos outros, é a lei do sangue que os une.

Hilary chega na Escola Wilson dois anos depois dos conflitos e um tanto alheia a realidade que estalava o chicote no corpo docente – contrariado em ter de receber alunos negros, hispânicos, asiáticos, além daquilo que o próprio americano considera como “white trash”. Hilary, recém casada, com pouco tempo na profissão, no rosto um largo sorriso, a disposição da idade mais um tempero indispensável para qualquer ofício – ideais.

LaGravenese evitou os caminhos de “Ao mestre com carinho”, “Um diretor contra todos”, e outros filmes e outras histórias, talvez porque a própria história enfocada tenha o ingrediente básico, e único, dessas sementes que germinam para ilustrar. Os clichês do bom aluno versus mau aluno somados ou subtraídos ao mestre enérgico transbordante de princípios passam ao largo da matemática proposta pelo roteiro de “Freedom Writers”.

Cada macaco no seu galho, ódio arraigado pelo que diverge na cor da pele, no amendoado dos olhos, na textura do cabelo, armas, intolerância e um sistema de defesa ativado 72 horas por dia. Esses são os alunos da professora Erin Gruwell, que passa a ser relegada por seus pares de trabalho, que a propósito não classifica os pupilos como ativistas sociais mas sim como criminosos. Fácil rotular...

Há uma bíblia para cada religião. A professora Hilary percebe isso intuitivamente. Depois de tanto ver o reflexo dos cacoetes de segregação expostos em classe, ela tem a idéia de indagar a eles qual foi a maior gangue de todas. Ninguém sabe. Ela paga do próprio bolso tantos exemplares do livro “O Diário de Anne Frank”. Porém, para que cada um deles se disponha a ler, para que cada um deles se atreva a rabiscar seu próprio diário, ela antes exemplifica, na própria classe, a questão das diferenças. Para tanto, a classe é dividida em dois lados com uma linha traçada no meio. Então ela exclama:

- Quem, entre os presentes, esteve num reformatório? Quem esteve, favor se aproximar da linha divisória.

É quando eles se aproximam, e a cada pergunta, cada fração da classe encosta na linha e se encara frente a frente. Nesse ponto tem início o perceber mútuo que seus pontos em comum são devastadores e a noção do isolamento está fadada a esmaecer. Graças ao gesto de quem está livre, suas vidas estão prestes a se transformar. Ninguém ali esperava obter qualquer graduação universitária, sequer cogitavam completar 18 anos.

Desde o nascimento, a criatura é compelida a uma espécie de hipnose que tem, ou tinha, uma forma sutil de se instalar e uma força poderosa para manter a criatura presa no transe.

Todavia, a professora Erin Gruwell era livre. E é como diz o ditado: somente quem é livre pode libertar.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 17/01/2010
Reeditado em 15/01/2013
Código do texto: T2035182
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