Rádio Favela. Porta-voz do morro

“Uma Onda no Ar” (2002), do mineiro Helvécio Ratton, é um filme que alia ficção à história real da rádio Favela, de Belo Horizonte (MG), uma emissora “pirata” que falava em nome dos moradores da vila Nossa Senhora de Fátima, na Serra, comunidade carente da cidade. Hoje, a rádio continua como a “voz do morro”, mas com um diferencial em relação ao seu surgimento, deixou de ser ilegal para funcionar como emissora educativa, com concessão do Governo Federal.

O enredo, que se passa nos meados dos anos 80, conta a saga de Jorge dos Santos (Alexandre Moreno) que, mesmo enfrentando o ambiente hostil da favela, consegue junto ao amigo Ezequiel (Adolfo Moura) montar uma rádio que defendesse os interesses da vila. Naquela época, a radiodifusão já tinha uma legislação bem rígida, o que não impediu que Jorge realizasse o sonho de ser ouvido, sobretudo, como um cidadão consciente dos problemas sociais que envolviam morro.

Preso algumas vezes, tendo os equipamentos da rádio lacrados e até quebrados, Jorge, no entanto, encontrou algumas pessoas, como a jornalista Lídia (Renata Otto) que acreditaram no seu propósito. Alguns políticos, talvez visando interesses particulares diante da opinião pública - que também estava com Jorge - apoiaram o projeto, que culminaria em um prêmio da Organização das Nações Unidas (ONU), pelos relevantes serviços sociais prestados à comunidade local. Prêmio fundamental para que a rádio viesse a ganhar o caráter “educativo”.

Ao discutir temas como drogas, preconceito racial, entre outros e apontar soluções, cobrando das autoridades providências para questões de interesse local, Jorge e sua equipe eram como os “olhos da comunidade”, sempre vigilantes. Talvez o jovem idealista não tivesse a noção exata dos rumos que o trabalho na rádio estava tomando, mas, certamente, já havia, ali, um tipo de jornalismo comunitário - feito para a comunidade e pelas pessoas que residem nela.

A rádio Favela, antes da concessão do governo, representava as centenas ou talvez milhares de rádios clandestinas espalhadas pelo Brasil, de fato, com propósito comunitário. Sua institucionalização, no mínimo, foi justa, pelo valor social que a emissora denota em nome da comunidade ali representada. Jorge não era jornalista propriamente dito, com formação técnica e conhecimento específico, no entanto, seu trabalho tinha cunho jornalístico, na medida em que defendia os interesses dos moradores, com foco na resolução dos problemas locais.