"Gangster" (American Gangster)

"Gangster" (American Gangster)

Quanto ao título, lógico, e uma vez consumida a película, chega-se a conclusão de que é uma grande ironia.

De acordo com o filme, e por ordem de grandeza, gangster é o US Army (ótima noticia para quem agora tem a Quarta Frota como guarda costeira), depois a polícia de Nova Iorque, depois os grandes e empolados empresários que moram em castelos e patrocinam as artes, e, por último, vem Denzel Washington como o gangster à moda. Ou quase à moda. Isso porque ele acorda às 5 da manhã, toma café no mesmo local às 6 e 15, das 8 às 10 reune-se com advogados e contadores, jamais sai à noite, a não ser para jantar fora, jamais foi visto na companhia de meliantes e vai à missa todos os domingos.

Armand Assante é o gangster milionário. Russel Crowne é o tira incorruptível que quer os gangsteres.

Ridley Scott leu o artigo “The Return of Superfly”, de Marck Jacobson. Acho incrível esse negócio de um artigo que vira filme.

(Não, querido leitor adolescente, Ridley Scott não é um botânico e a super-mosca não vai ficar verde, cheia de músculos e poderes para combater seja lá o que for.)

Frank Lucas, verídico, assim como verídica dizem ser a história de que Kim Basinger anda por Brasília, disfarçada, comprando terras e mais terras, em nome de não sei quem. Ao passo que esta última situa-se no folclore da internet, Frank Lucas é o nome real do personagem vivido por Denzel.

Frank nasceu no Harlem, miséria, destruição e marginalidade era o que ele respirava de manhã, aos 9 anos de idade. Teve a fortuna de se tornar motorista e secretário particular do homem que geria o caos local, na época, durante mais de uma década. Ora, com esse currículo, Frank estava mais do que preparado para se mandar para o Vietnã, em plena guerra, atravessar a selva e lidar diretamente com o produtor de papoula turbinada, mais conhecida como heroína, estabelecer um acerto de cavalheiros e lançar no mercado consumidor americano a “Blue Magic”, pura e letal.

O filme perde menos tempo nessas ações do que demonstra essa resenha, e acho que Ridley foi esperto em tal quesito, visto a quantidade de filmes no gênero lançados nesse milênio. A trilogia da qual “Traffic” faz parte é quase imbatível. Assim, Steven Zaillian (roteiro), teve de se esmerar para satisfazer uma certa parcela do público, que já viu um bocado e não se contenta com qualquer nota, muito menos com uma nota só. No caso, a nota do tráfico, um assuntinho que já deu no coro.

O interessante do entretenimento cinematográfico DVD é que por 5 reais você tem Ridley Scott (não é qualquer diretor), Denzel Washington e Russel Crowne (não são quaisquer atores), Cuba Gooding Jr, Josh Brolin, Ted Levine (idem), mais uma história verídica (é sempre um plus), mais uma grande denúncia (cansado de denúncias que viram entretenimento?)..., tudo isso, lógico, vale os cincão.

“American Gangster”, pleonasmos a parte, faz muita referência ao “French Conecction”, em português leia-se “Operação França”, com Gene Hackman, definitivamente Oscar de melhor filme, no começo dos 70.

Uma breve menção a filmografia do diretor, em ordem cronológica e propositalmente seletiva: “Os Duelistas”, “Allien”, “Blade Runner”, “Chuva Negra”, “Perigo na Noite”, “Thelma e Louise”, “Gladiador”.

Em “Blade Runner”, partindo de um conjunto que mesmo na época parecia inconsistente, (hoje ficou pra lá de datado), Ridley cria situações de cinema com aquela maturidade que atravessa os tempos. Vide a cena onde Harrison Ford executa a robô. O filme foi objeto de discussão por quase uma década nos circuitos alternativos de Sampa, assim como “Inteligência Artificial” (Spielberg), ganhou a atenção da comunidade de psicólogos no eixo Rio- São Paulo, para ficarmos nesses territórios. Exemplos não faltam. O grande bruxo, no entanto, e que literalmente transcende o termo tempo, ou o conceito, se preferir, chama-se Stanley Kubrick, sendo o nome da cápsula “2001, Uma Odisséia no Espaço”. Talvez porque a cápsula tenha ainda outro mentor, o autor, Arthur Charles Clark.

Em “Gangster”, a cena da ambulância é cinema da gema. Trata-se, porém, de uma pequena situação brilhante dentro de uma grande situação, até que nem tão abrilhantada.

A historia de Frank Lucas não vai seduzir a classe dominante dos ianques. F. L. é negro, durante quase 7 anos amedrontou os cartéis da droga com um produto superior em qualidade pela metade do preço. Blue Magic era trazida pelo US Army, clandestinamente, e não se sabe o número de baixas causadas aos usuários. A aparição de F. L. para o grande público, ao ser preso, trouxe à tona um escândalo policial sem precedentes. No mais, a polícia procurava um ítalo-americano, ou um WASP (white anglo saxon protestant) disfarçado. Jamais um afro-americano.

Quem me dera fazer um artigo sobre o filme. Tem pano pra manga, ali.

Está longe de ser um filme ruim, tampouco é espetacular. A nota fica por conta do espectador.

Eu fico na resenha, e não raro ruminando que tipo de civilização gera um pacote cultural recheado de informações e talentos comprovados, "por 5 real", mas que também produz água-ardente mais barata do que água e leite.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 14/08/2008
Reeditado em 07/10/2013
Código do texto: T1128083
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