“Déjà Vu”

“Déjà Vu”

“O fluxo do conhecimento humano encaminha-se imparcialmente para uma realidade não mecânica. O Universo já começa mais a ser como uma grande idéia do que como uma grande máquina. A mente deixa de parecer um intruso acidental no reino da matéria. Começamos a nos dar conta de que é preciso saudá-la, com efeito, na qualidade de criador e administrador desse reino”.

Sir James Jeans, astrônomo britânico.

Honestamente, nem de longe me atrevo a supor que a trupe dos envolvidos nessa produção tenha cogitado as palavras de Sir James Jeans. Também não se trata, em hipótese alguma, de depreciá-los por isso. Até porque nem teria cabimento. Até porque só a brincadeira com o título já lhes confere muito pensamento. É que a citação acima simplesmente me ocorre ao pensar nesta película.

Assisti “Déjà Vu” há pouco mais de um ano, e confesso que o dia em que inaugurar, lá em casa, uma prateleira com as “caixinhas top de linha”, ali ele estará. Por hora as prateleiras abrigam livros e assim permanecerão, visto que no meu entender livros não se encaixam na categoria “entretenimento”. Esse atributo é só uma das inúmeras vantagens que o livro propicia. Já o entretenimento 24 quadros açambarca outros quesitos da inteligência.

Salman Rushdie, prêmio Nobel de Literatura no final dos 80, tem uma teoria muito interessante sobre o cinema que, trocando em trocados, eis o extrato: é absolutamente impressionante a quantidade de informação que se pode aproveitar em um filme. As palavras do Salman são mais elaboradas e encontram-se à disposição na Revista Veja, edição deste século, salvo erro, nas páginas amarelas. Ele salienta que é como se vivesse uma existência de aprendizado ao assistir um filme.

Não sei se “Déjà Vu” é para tanto, sei que estava sem opção na locadora e nem pisquei ao escolher.

Denzel Washington interpreta um agente da ATF (álcool, tabaco e amas de fogo - existe uma agência para isso - deve ser para verificar a satisfação dos clientes...), que vai investigar um atentado terrorista em Nova Orleans. Rodaram o filme não muito tempo depois do Katrina, assim, em terra de cego, mesmo quem tem um olho vê os efeitos do furacão, lá e acolá. Agora, precisa de 10 olhos para ver, se divertir e entender até onde der, as cenas que se passam “na sala dos computadores”. Aliás, valem o filme. O que se coloca naquele balaio em termos de teorias, tecnologias e ética, aliás, uma nova ética para uma nova tecnologia, também ali se propõe.

Tony Scott* assina a direção e Jerry Brukheimer** assina a produção. Não que os caras sejam infalíveis, até porque a única turma infalível que eu conheci chamava-se seleção canarinho, versão 1970. U$ 80 milhões em ação..., foi o custo do “Déjà Vu”. Tony, é irmão do Ridley Scott, (Blade Runner), e a comida na casa deles deve vir em latas da Kodak. Jerry produziu estouros de bilheteria, mas acho, cá entre nós, onde ele se deleitou no “Déjà..” fica por conta do que aprendeu com seus seriados de TV. Isso porque em “Déjà..” ocorre uma autópsia.

*(“Chamas da Vingança”, “Gangster”, etc.)

** (“Piratas do Caribe” etc.)

O espectador ou espectadora que chegar na sessão atrasado(a), e se deparar com um diálogo cujas palavras chave são algo em torno de “passado- presente”, “presente-futuro”, etc., não pense que se trata de um debate gramatical. Novas tecnologias sempre trazem novas palavras. E novas atitudes.

A perseguição de carro, por exemplo. Roliúdi se esqueceu como se faz, deveriam rever “French Conection” e “Bullit”, mas o realce desta perseguição fica por conta do capacete do motorista. Sem aquele capacete, não haveria realce. A única objeção é que eles deveriam aposentar o sujeito responsável pelo design, pois deve ser o mesmo há mais de 30 anos. Dá pra imaginá-lo numa sala sombria, debruçado numa escrivaninha, desenhando o mesmo capacete...

Por outro lado, talvez seja um truque de comunicação. O público vê a geringonça e já tem o espírito preparado para os malabarismos a seguir.

Paula Patton, a mocinha, brilha com elegância, mesmo fazendo o papel de morta. Representando o FBI, Val Kilmer. Representando os cientistas, Adam Goldberg (é o novo cientista da nova(!?) ciência quântica, vide o Fritjof Capra contando que os cientistas da NASA tomavam porres homéricos quando saíam do “escritório”... Vais ver Goldberg, quando fustigado pelo Denzel, suspirar dizendo: justo essa semana fui parar de fumar haxixe...).

O vilão fica por conta de Jim Caviezel. Quem assistiu “A Última paixão de Cristo”, do Mel Gibson, sabe o naipe desse ator.

Tudo nos trinque, pois cinema não é debate, onde o autor começa a explanar e um gaiato pula da cadeira e exclama: ei, isso não existe!

Cinema já tem que ir disposto a comprar a alucinação do outro. O resto é questão de gosto.

“O Universo como uma grande idéia...”.

No campo das idéias aliadas ao entretenimento, “Déjà Vu” veio para ficar, nem que seja na minha prateleira.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 04/07/2008
Reeditado em 13/10/2013
Código do texto: T1064275
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