MÚSICA TROPEIROS DE LÉO ALMEIDA

TROPEIROS DE LÉO ALMEIDA

Ilza Ribeiro Gonçalves

Rodrigo Raul da Silva

A letra da música Tropeiros de Léo Almeida apresenta o tema o tropeirismo, trabalho de criação, condução e comercialização do gado, atividade que teve início em meados do século XVII e foi responsável pela integração entre o litoral e o primeiro planalto, ampliando o povoamento do planalto paranaense e, também, o fluxo de gado do Sul para o centro do país. Esse conteúdo é trabalhado no ensino fundamental e médio, por isso sua grande importância.

Trabalhar letras de músicas como estratégias para os conteúdos escolares requer esforço e muita leitura, uma vez que, tais letras não devem servir apenas como pretexto para conteúdos estruturais da língua portuguesa, fragmentados e aleatórios, mesmo porque as letras de algumas músicas contêm contextos de várias áreas do conhecimento, por isso podem servir como metodologias, na prática escolar.

Nessa atividade é possível colocar em prática a intertextualidade, a tão sonhada pela maioria dos educadores, também as vozes sociais presentes no texto, figuras de linguagem, informatividade e situacionalidade.

O romantismo rendeu versos ao gaudério e a história decantou

bandeirantes mas foram eles, os birivas, que fizeram

a integração destes povoados tão distantes"

João Miguel era tropeiro gastou a vida na estrada

Levando mulada chucra do Rio Grande a Sorocaba

Aprendeu nas arribadas que a sorte a gente é que faz

Um biriva de vergonha não deixa mula pra trás

O facão sorocabano levado sem aparato

O chapéu de abas largas as botas de cano alto

O trajar era modesto, mas a mirada era altiva

Subindo ou descendo a serra João Miguel era biriva

(Bota n'água esta madrinha, madrinheiro

Que a tropa vai seguindo enfileirada

Vou na balsa segurando o meu cargueiro

Com as bruacas de paçoca bem socada)

Maria murchou na vida de casa e cabo de enxada

Com um olho nas crianças e o outro fitando a estrada

João Miguel virou lembrança na cruz à beira da trilha

E Maria foi plantada lá no alto da coxilha

João Miguel era tropeiro, seus netos tropeiros são

De esperanças mal domadas que desgarrando se vão

A esperança madrinha segue na frente entonada

E seu cargueiro de sonhos traz a bruaca lotada

Na primeira estrofe da música o eu-lírico apresenta a história dos birivas, os quais viveram a vida em função da sobrevivência e que na sua humildade construíram a integração entre os povoados paranaenses, feito esse nunca reconhecido na história oficial,

O romantismo fomentou ao eu-lírico os versos para que este recontasse a história a partir da visão e vivência desses birivas, tendo em vista que a ”História decantou bandeirantes”, apenas eles, os humildes, aqueles que viveram, sobreviveram e morreram nessa terra e por essa terra, não havia sido lembrados.

Na segunda estrofe ele a inicia nomeando João Miguel, um representante modelo dos birivas, homem de fibra, empenhado em cumprir a sua “sina”, levar e trazer a manada de mulas de Rio Grande a Sorocaba, sem nunca deixar se perder uma destas.

Pressupõe-se assim, que como João Miguel, esses homens aprendiam no dia a dia seu trabalho, sem professor, e que nessas idas e voltas tinham certeza de que tudo na vida dependia deles, e de suas escolhas.

Na terceira estrofe, há uma descrição física detalhada do trajar modesto daqueles, mas que também não deixa de incorporar essa figura, fundada em cumprir direito seu papel. O fato de falar do assessório “facão sorocabano” não é em vão, aí está implícita a influência da grande cidade sobre o campo, no caso Sorocaba.

O refrão apresenta-se cheio de vozes, em que aparece a hierarquização que não deixa de existir, mesmo em um trabalho considerado simples e muitas vezes visto como bruto. Surge então, a figura do madrinheiro, responsável por conduzir a tropa, escolher os caminhos e delegar alguns cargos ante os tropeiros, e a voz do comandante que é “superior” a este madrinheiro mandando que vá logo com as mulas pela água que ele irá de balsa para salvar o alimento, um pretexto para não entrar no rio.

Na quinta estrofe surge a mulher, apenas para completar a figura de uma família tradicional, e que esta era responsável pela criação dos filhos e vivia a espera do retorno do seu amado, enquanto passava o dia no cabo da enxada, para garantir a subsistência, Maria aqui representa a voz de todas as mulheres dos tropeiros de sua época.

Nos versos “João Miguel virou lembrança na cruz à beira da trilha/E Maria foi plantada lá no alto da coxilha” traz à memória as tragédias familiares da época, o homem sai para o trabalho, por vários dias, às vezes meses fora, e a mulher sempre a esperar, mas um dia ele não volta e fica só a lembrança, pois não há possibilidade de um funeral pela dificuldade de transporte do momento, já ela foi plantada no lugar onde vivia, pois entende-se que viveu tudo o que tinha que viver, naquele lugar.

A música termina com uma passagem de tempo, com a afirmação, que pertenceu ao passado: “João Miguel era tropeiro”, seguida da afirmativa no presente “seus netos tropeiros são”. Porém, agora a tropa é conduzida pela esperança, madrinha que traz o cargueiro e as bruacas lotadas de sonhos, estes que pertenceram também aos birivas, mas figurando apenas na lembrança de seus descendentes.