Favelas, desocupações e a perda da memória

Uma das principais questões que envolvem as sociedades é a memória. É através da memória que pode-se resgatar a história de grupos etnias e nações. Também, a memória é usada tanto para a manipulação de indivíduos, grupos e povos. A memória de um povo é uma forma eficaz e confiável para a pesquisa do historiador, ela serve como documento que esclarece incógnitas de gerações, se bem trabalhada. Também é através da memória que a cultura é transmitida aos descendentes e se conserva aspectos culturais, religiosos, políticos, e sociais. Desde os povos mais antigos, anteriores à escrita, a oralidade fez-se presente e a necessidade de se entender o contexto em que se vive faz com que a história seja preservada através memória. Sendo assim, a memória se faz necessária para a preservação tanto de povos, sociedades em geral, quanto para a preservação da cultura de grupos e etnias. Sabe-se que manipulações podem ser feitas através da memória, seja ela individual ou coletiva e através disso pode-se “domesticar” indivíduos ou grupos com atitudes indesejáveis, seja por fatores financeiros ou culturais. Há manipulações através do uso da memória ou pela falta dela.

Na história contemporânea, como em outros períodos históricos, utiliza-se a destruição da memória de grupos e pessoas quando há interesses; desde interesses financeiros, sociais ou culturais, quanto interesses de dominação. Ao analisar por exemplo a especulação imobiliária de uma metrópole como a de São Paulo, pode-se chegar a conclusões interessantes no que tange tanto ao interesse financeiro, quanto interesses de tentativas inferiorizar e até extinguir a cultura alheia. Exemplo disso é a reintegração de posse que acontece nos dias atuais. Essas reintegrações ocorrem tanto em virtude de arrecadação financeira quanto com o intuito de destruir a memória coletiva de grupos sociais e étnicos que em determinados momentos se tornam indesejáveis a grupos que tem a intenção de preservar o status quo. Nas regiões centrais, desde o início do século XX há a urbanização com vista apagar daquelas regiões tudo o que lembra o retrocesso, entenda-se o retrocesso dessa época como tudo o que é nativo e consequentemente não europeu. Com a criação de bairros que lembram limpeza, Higienópolis, ou beleza, Jardins, vai-se afastando tudo o que é

indesejável e o indesejável é o pobre, o nativo, o negro e tudo o que foge aos padrões estéticos desejáveis.

Em pleno século XXI não muda o sistema com que se quer alcançar os objetivos daqueles que detém o capital. Seja nas periferias ou nas regiões centrais, acontece o que acontecia no passado. Especuladores imobiliários e pessoas com fins ideológicos, simplesmente conseguem na justiça a liberação de reintegração de posse de grupos que moram em favelas e cortiços há anos, sem levar em consideração muitos fatores que são de suma importância. Fatores esses que vão desde a localização de seu trabalho na região onde se encontra, que seria mais perto, até a questão cultural dos indivíduos que, vivendo nesses locais há décadas, desenvolveram culturas próprias e formas de vida que dependem do local onde se está estabelecido. Esses grupos sociais criam suas histórias e memórias na maioria das vezes de forma precária, é o local onde só chega a parte violenta do Estado, a polícia, e em detrimento disso nasce uma cultura totalmente diferente do que a sociedade “civilizada” considera civilizado. Esse outro tipo de civilização, muitas vezes causa mal-estar em grupos que detém maior poder aquisitivo e isso faz com que a memória e a história de pessoas que são criadoras de culturas, seja apagada. Apagada de forma literalmente bruta, com o uso da força do Estado e muitas vezes sem direito a indenizações. Há casos de pessoas que mesmo ganhando outro tipo de moradia, não se adapta pelo simples fato de ter participado e vivido em uma cultura totalmente diferente do que seria aquela sua nova moradia. Com isso, grupos com interesses econômicos e ideológicos vão apagando a memória de grupos com baixo poder aquisitivo e que por sua vez não tem como recorrer. Onde se destrói um cortiço ou uma favela e ergue-se um prédio, perde-se décadas de cultura, história e memória.

ronaldo moraes
Enviado por ronaldo moraes em 09/02/2017
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