SINOPSE E COTEJO DE CARLOS MAGNO E OS DOZE PARES DE FRANÇA-CORDEL-2/2

conselho seu, para se preparem no resgate dos cinco cavaleiros aprisionados pelas tropas turcas. Foi lá então batizado pelo Arcebispo Turpim, tendo como padrinhos Carlos Magno, Roldão e o Duque Regner. Nesse passo, do outro lado, os prisioneiros são apresentados ao Almirante Balão e Oliveiros identificado pelo Capitão Burlantes é descrito como capaz de destruir metade do exército turco. Interrogado por Balão, Oliveiros declara que somente pelo soldo serve a Carlos Magno e que era a primeira vez que entrava em batalha. Frustrado, o Almirante que pensava teria o Reino de França determina ao seu Camarista Barbaças que estes prezos sejão levados ao campo e despidos, seja atado cada um a seu pão, e se lhe dè cruel morte. Intervindo, Burlantes aconselha que os cinco cavaleiros sejam trocados por Ferrabraz. Prevenido, Barbaças aloja os prisioneiros num cárcere (buraco c/alçapão) escuro e cheio de bichos peçonhentos que ficava junto a um braço de mar. Quando da maré cheia a água entrava até os peitos dos encarcerados. Diante da extremada e dorida situação, Oliveiros impreca contra o seu algoz e Geraldo de Mondifer se consola confiando em Deus. Estando por ali, Floripes, a Dama daquele reino, de tal formosura, com vestimentas feitas por fada que eliminavam qualquer peçonha, trazia tal encantamento seus hábitos, pois quem dele cheirasse ficava três dias sem comer e beber. Ouvindo as queixas dos presos, ferida de amor pelo nobre Gui de Borgonha, ordena ao carcereiro que abra o alçapão. A recusa deste se reverte, visto que pode ouvir a entrevista. A Dama da Turquia toma um escudeiro de confiança a seu cargo e com um bastão abate o Brutamontes, atirando-o ao buraco. Os cavaleiros se identificam e ela lhes pede que respondam com verdade as perguntas que vai fazer. Instado, Oliveiros diz-lhe que venceu seu irmão Ferrabraz em muito leal batalha, e de sua própria vontade se fez Christão. Quanto a Gui de Borgonha afirma que ele tinha ficado com o Imperador. Como tivesse planos a executar, solenemente os cavalheiros dão fé de favorecer tudo quanto a princesa mandar, desde que não seja contra a Lei deles. A ousadia destes merece a seguinte observação: mais vale callar, do que loucamente fallar. Complementa dizendo: ... não vos entristeçais, que esta noite vos tirarei desta masmorra.

Ferrabraz já derribado ouve a exortação do cristão que lhe fala da presença de Deus, conforme ele mesmo pôde verificar: vim aqui quase morrendo tendo chagado e ferido pois eu tinha combatido para a ele defender sem do teu bálsamo beber fui de Deus favorecido.

O discurso prossegue numa referência clara e persuasiva da doutrina cristã em que o paraíso receberá os fiéis e o inferno com seus demônios atormentarão os incrédulos e politeístas.

Renitente, Ferrabraz responde: isso não hei de fazer me sujeitarei morrer no campo do desespero ...não deixo a lei que adotei por dez montes de brilhantes.

Exclama: Apolim me valha! (*Apolinário de Laodicéia-século IV d.C.-nega a mente humana em Cristo, substituída pela ação da divindade do Verbo)

-vamos dar fim a batalha

Numa tentativa desesperada, Ferrabraz parte para cima de Oliveiros. Este, notando a vida se esvaindo do inimigo, recolhe a espada. Como se fosse tocado pelo Divino Espírito Santo o turco se convence que Deus é verdadeiro e pede a Oliveiros que o batize. Comovido o cristão curou-lhe as feridas, livrando-o de morrer. Se propõe a levá-lo aos seus companheiros, não por tê-lo vencido, mas por ter-se arrependido, tornado cristão.

O recém convertido previne Oliveiros que é hora de seguir, desse modo evitaria ser pego por sua tropa muito bem armada e escondida atrás do outeiro. Montam no cavalo de Ferrabraz, mas tarde se faz. Do monte saía a força anunciada...

“O turco foi se apeando

e Oliveiros se armou

sobre uma sombra o deixou

foi de encontro aos inimigos

um dos maiores perigos

que Oliveiros encontrou”.

CONSIDERAÇÕES:

- a seqüência do desenrolar da história versificada em relação a narrativa não cumpre o mesmo encadear de fatos, ora antecipando, ora atrasando. Considero que tal proceder se deva como o autor conheceu a façanha e dentro de uma estrutura rítmica do cantar - a seu critério, marca os feitos que deseja ressaltar;

- sem dúvida os versos trazem mais beleza, estabelecendo rimas de efeito mnemônico, conquanto o narratório é mais abrangente em fatos, situações, descrições e comportamento dos personagens;

- o folheto empresta entusiasmo ao ideário popular, tanto que os ouvintes se admiram das proezas levadas a efeito pelos seus heróis que por sua vez se propagam e se modificam na oralidade;

- o texto matriz da peleja se pauta em uma edição de 1864, publicada em Lisboa. Ao contemplar os dois trabalhos sobressai a natural adaptação da prosa ao cordel, dado que este privilegia o proletariado, esvaziando as formulações mais ilustradas, com acomodações criativas e de fácil compreensão;

- essa mobilidade criativa e ou/omissões permite empreender os feitos com ressonâncias epopéicas, dando a sensação de se estar no fragor do combate;

- transparece também a intensidade dos sentimentos e situações de extremo perigo;

- ironias provocativas se fazem presente, estimulando a disputa, animando os contendores a afirmar com exagero suas aventuras e com isso intimidar o adversário;

- sendo esta uma estória de cavalaria, de cavaleiros ou cavalheiros passada na Europa Ocidental ganhou nova moldura no Brasil nordestino, tipicamente versejada;

- a presença constante de locuções cristãs e remessas bíblicas deve-se a campanha de Carlos Magno, soberano do Sacro Império, em converter os infiéis e com isso ampliar seus domínios coadjuvado pela Igreja, parceira ideal para legalizar suas investidas;

- a intransigente defesa em nome de Deus, da Igreja e da religião;

- os mais nobres ideais são buscados, a honra se faz presente nos duelos e um código de ética cavalheiresca é respeitado a ponto do vencedor abdicar da gloria em favor do derrotado para salvar-lhe a vida;

- a presença maniqueísta entre o bem e o mal segmenta as ações entre hereges e cristãos numa mutua tentativa de convencimento;

- símbolos mitológicos se pronunciam protetores nos movimentos cruciais, o encantamento se faz presente, por exemplo, as propriedades do vestido de Floripes que foi preparado por fadas ou bruxas;

- as armas, especialmente as espadas são conhecidas por exóticos nomes;

- a descrição dos locais e época são miudamente apontadas;

- os costumes usados e hábitos recebem algumas referências;

- a convicção afirmativa atravessa os diálogos deixando o bom-senso, a interlocução no beco do radicalismo;

- refém das varias versões, a mesma historia pode reproduzir idêntico desfecho da matriz ou ainda refleti-lo de outro modo. No presente caso na versão-guia Oliveiros é levado preso juntamente com os outros quatro companheiros. Na variante de Leandro G. Barros o intrépido e leal cavaleiro num gesto de grandeza acomoda primeiro o seu ferrenho inimigo e depois parte de encontro às tropas daquele que pôs a salvo.

- a recorrência da historicidade do ciclo carolíngio provém da tradição e do gosto do povo por essa leitura originariamente em prosa e aqui no Brasil apropriada pelos versos decassílabos;

- um arcabouço de ícones e metáforas se encontra no vocabulário empreendido, gerando mais força representativa de significações que polemizam as interpretações dos especialistas;

- tamanha magnitude é a figura de Carlos Magno que ao mesmo tempo se projeta como forma e fôrma ao longo do tempo;

- a vassalagem de cega obediência é por vezes posta a prova, momento em que Roldão se recusa a combater e num acesso de fúria o Imperador atira-lhe uma manopla;

- os nomes dos personagens atiçam a curiosidade como nos mostra Jerusa Pires Ferreira em seu livro “Cavalaria em Cordel” – O Passo das Águas Mortas, na página 18: O nome de Rolando, o herói carolíngio assim parece explicado no folheto: “Milão tomou-o nos braços/ e seguiu no outro dia/ apresentou o menino/ ao cura da freguesia/ com o nome de rodando/ foi batizado na pia. O pai achou-o rodando/ ensangüentado no chão/ e da palavra rodando/ foi derivado Roldão/ sendo um aumentativo/ da antiga tradição”;

- as adaptações realizadas pelos poetas nordestinos distinguem alguns episódios da novela que melhor exprimam a sua poética ante o publico-alvo;

- as tramas secundárias acompanham da coxia o desenrolar da cena principal.

paulo costa

outubro/2009

* CARLOS MAGNO E OS DOZE PARES DE FRANÇA

LISBOA: 1864

Na Typ. De MATHIAS JOZE MARQUES DA SILVA

Rua do Ouro Nº 9, e 11

* A BATALHA DE OLIVEIROS COM FERRABRAZ

LEANDRO GOMES DE BARROS

paulo costa
Enviado por paulo costa em 20/10/2009
Código do texto: T1876401
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