O tempo agora (sem previsão)
Até onde vai a vida? Até onde a permitimos ir? Há coisas que guardo, e que que me fazem senti-las quase como se as tivesse realmente vivendo. Isso se acentua em certos dias. Um país que não conheci, mas sinto o cheiro de suas ruas. Um sabor que não provei. Um atleta que não fui. Um número que sonhei, mas não joguei. Uma agressão que contive, mas doeu em mim. Um insulto que engoli, mas me deu úlceras. Um medo que não venci. Um medo que me venceu. Às vezes a gente sente que já deu tudo, já apoiou, já esgotou o estoque de abraços, de conselhos, e as palavras de conforto que doamos agora nos fazem falta. Vira e mexe me dá vontade de sair voando, por cima da cidade, à noite, de preferência, observando toda a loucura, suplantando as aflições, ofuscando as luzes, atravessando hemisférios, abraçando a liberdade, abandonando essa gravidade chata que insiste em me manter no chão. Hoje sou mais humano do que gostaria, e colho o resultado dessa urgência. Essa mania de querer que tudo passe, quando não passa. Não quando a gente quer. Não antes do tempo certo. Taí algo tentador: Corrigir o tempo! Como um professor corrige um teste. Como se fosse apenas: "não, esse dia você não viveu direito, essa resposta você errou, aqui você empregou o desprezo quando o substantivo era a paciência, aqui você subtraiu quando deveria somar, aqui você dividiu, mas esqueceu da sua fração, estude mais um pouco, você terá outra chance..." Como se possível fosse contradizer o irremediável. Às vezes a única saída é esperar, é reter o tempo tanto quanto possível. É reunir a mudança, é endireitar os quadros. É tirar o pó dos livros envelhecidos. É levantar. É lavar o sono do rosto. É sorrir. É querer mais um dia. É pedir coragem, quando o que se tem é somente o agora.