A PÁTRIA
                 DE
                 
  CHUTEIRAS


"Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos..."    
                             Nelson Rodrigues



Um cronista político disse que futebol é o ópio do povo. Para os brasileiros é bem mais do que isso, é algo que transcende sua alma e penetra na sua vida. Isto é uma coisa que não acontece em nenhum país do mundo, só no Brasil, sendo até responsável por um indivíduo que quer se inserir em um grupo social.

Agora estamos em ritmo de Copa do mundo, onde o Brasil vai jogar visando ser hexacampeão. O país vai parar e seus mais de 170 milhões de habitantes esquecerão de tudo. Até de comer, beber, amar e ficam em frente a um televisor dependentes de um jogo e acompanhando o balé dos jogadores em campo.

Como dizia o saudoso Nelson Rodrigues, ”é a pátria de chuteiras e calções dando rútilas botinadas em todas as direções"! Quem quiser trabalhar não conseguirá silêncio para pensar, se quiser meditar ou simplesmente dormir, também lhe será negado. Seremos todos obrigados a compartilhar os gritos de ansiedade da torcida nervosa que rói as unhas, chora e fica agitada diante da TV. Fatalmente teremos um aumento de infartos e atendimentos cardiológicos tudo por conta do fanatismo de nossa torcida.
Seremos obrigados a ouvir os foguetes a cada gol da seleção amarelinha ou ser contagiado pelo desespero quando o adversário fizer um gol contra nós.


As empresas e repartições públicas já se resignaram: meio expediente ou expediente nenhum quando houver jogo do Brasil. Não adianta ninguém trabalha mesmo e quem tentar não conseguirá produzir. É o destino da Pátria decidido em campo por onze pares de pés, ou por duas mãos de goleiro que agarram as tentativas de gol do time adversário.
 
Por sua perícia e quantidade de bons jogadores, o Brasil se tem feito respeitar em todo o mundo.
Isso faz bem ao nosso ego em baixa, ao nosso complexo de cachorro vira-lata, como diria uma vez mais Nelson Rodrigues. Faz bem sermos cotados entre os melhores do mundo num momento em que vamos tão mal, com a esperança do povo fazendo água por todos os lados, com o desânimo e o desalento tomando o lugar da alegria constante do brasileiro.

Mas de que forma podemos ter alegria, se a Educação é um engodo e agora tudo indica não haverá reprovação nos primeiros anos do ensino fundamental e povo sem educação é como boi sendo tangido para o matadouro. A saúde é um vexame, falta de tudo, de algodão a tomógrafo, a segurança não existe, seja dia ou noite os marginais tomam conta de tudo e as drogas dominam desde a alta sociedade até os mais pobres.


A Copa do Mundo e uma eventual vitória do Brasil podem ser uma perigosa tentação de euforia falsa e efêmera, assim como uma acomodação e um dormir sobre louros que na verdade, não existem pois já nascem reduzidos a pó.

Os da minha geração não se esquecerão do engodo preparado pela ditadura militar , que fez com que o tricampeonato conquistado no México, desviasse a atenção da opinião pública das atrocidades acometidas nos porões do Regime.

Enquanto brasileiros eram torturados e mortos, a população gritava gol e dava vivas à Seleção Brasileira Campeã. Apenas a voz da Igreja na pessoa de seus bispos, se levantou para denunciar este estado de coisas e defender os direitos humanos. Destacaram-se nesta luta entre outros, D. Paulo Evaristo Arns e D. Hélder Câmara.

Uma vez consolidado o título de Campeão, a economia montou sua mentira. O famoso “milagre brasileiro”, que fez a classe média acreditar que era rica, mas esburacou as finanças e até hoje pagamos as consequências e o preço alto daquele embuste. Ao “milagre”de duração curta, seguiram-se a inflação galopante e a pobreza constante e crescente.
Enquanto a Seleção voltava do México e era aclamada nas ruas, aumentava o fosso entre ricos e pobres.

E toda uma geração castrada politicamente, era perseguida torturada e muitos mortos, mas o povo brasileiro se alegrava com seu aparente triunfo sem saber que a estrela que brilhava era cadente.


É tempo de Copa do Mundo. É justo torcer por nossa seleção, chamar o juiz de ladrão, arrancar os cabelos, gritar de alegria pelo gol feito e frustrar-se pelo gol tomado. No entanto, é preciso não esquecer que o país do futebol é também o dos contrastes sociais, onde temos favelas,  lixão e falta de saneamento básico ao lado de condomínios de alto luxo. São políticos que desviam verbas até da merenda escolar deixando crianças paupérrimas com fome e estes problemas não serão resolvidos se a Seleção trouxer o hexa.


Fatalmente esta vitória será explorada politicamente pelos diversos candidatos, porque as metáforas sobre futebol são comuns aos nossos políticos. Importa ao povo ter esta alegria compartilhada entre todos, no entanto sem esquecer que esta festa democrática é o campeonato mundial de futebol. Vamos fazê-lo sem esquecermos que o país do futebol tem grandes problemas, que não serão resolvidos por Dunga e seus jogadores. Apenas com muito trabalho e muita consciência política, se poderá resolver nossos problemas, vejam o último exemplo, o atual govêrno assinou no dia do  jogo  contra a Coreia, o aumento de 7,7% para os aposentados, já que era certo  uma goleada que não veio e seria tudo explorado politicamente e a lei  ficou  dois meses esperando o dia certo para  divulgação.                                                      


Não deixemos que sejamos levados pelo ufanismo e votemos certo, sem nenhuma interferência.


Vamos encerrar este texto com mais uma frase do escritor Nelson Rodrigues:
 
"Nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem".
 

   
 Acróstico da  brilhante poeta Angélica   Gouveia

R ufaram os tambores
U m espetáculo multicores
Y intimando torcedores
 

S ão contrastes que rolam
 rrestritamente se juntam
L evando a todos a uma euforia
V isão tampada por uma possível agonia
A frente de uma televisão
 
B ota o coração
A Frente de uma televisão
R icos pobres ,sem distinção
B uscam o que não podem ter
O rgrulho de ter conquistado
S oberaniana honestidade
A liberdade de não serem explorados 

         


             




   

Ruy Silva Barbosa
Enviado por Ruy Silva Barbosa em 17/06/2010
Reeditado em 18/06/2010
Código do texto: T2324545
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.