esses olhos cansados

esses olhos cansados,

já os vi nudos no espelho,

já os vi mudos, e em silêncio

ouvi-os e contemplei cada gesto

e os caminhos que seguiam perdidos,

esses olhos cansados,

esses olhos que dormem,

esses olhos que sonham,

já um dia os conheci

debruçados na morte,

cheios de medo e cheios de dor

— as crianças mortas das guerras,

e não eram as guerras das armas-de-fogo...

morriam pálidas do espanto, pálidas da fome, pálidas do desejo,

as crianças inconclusas cheias de remorsos precoces,

as crianças que brincavam de reinos

morriam pálidas do desencanto

e morriam das horas de frio,

quando a vida é morrer a esperança,

quando a vida recolhe-se e dói.

dentro de mim as crianças brincavam contentes,

e esses olhos que dormem,

e esses olhos que sonham,

já os vi dizerem silentes.

contaram-me de homens e feitos,

de vidas passadas,

da história das coisas,

cidades, deuses, filosofias, vontades, mentiras,

histórias apodrecendo dentro de mim.

doces canções cantaram pro olvido,

e eram esquecimento.

já os vi adoecidos

lembrando lembranças doentes

e almejando um dia o futuro dos pássaros livres,

já os vi imaginando outros mundos

tristes,

já sem sono na noite em seus quartos de barro e cimento,

cheios de dor e cheios de medo,

esses olhos que sonham,

esses olhos que dormem,

esses olhos cansados.

(13/10/2004)

este e outros poemas do autor fazem parte da obra "Esquizolira e Desalinho" publicada neste link:

http://perse.doneit.com.br/paginas/DetalhesLivro.aspx?ItemID=670