das palavras

Seria tristeza esse fundo de angústia,

De onde as palavras saem à procura

De parceiras, seria amorosas essas mãos

Grudadas a outra palavra que gruda outra

Que gruda depois nas coisas do mundo e dão para

Elas um pedaço de céu imaginado que lhe

Cobre o abismo de sangue onde ainda as ruas

Da infância estão sem asfalto, e as casas enfileiradas

Com janelas diretas pra rua onde uma senhora na janela

Espia uma vida que parece não ser dela, mas nela palpita

Mesmo quando acredita que dessa vida já desistiu ou

Esgotou-a através das idas e das vindas, no pescoço

De pouco esforço que se fecha para aquelas perdas

Que fizeram seu piso ainda mais transparente, e outros

Nunca souberam que sob assoalho de marfim, embaixo dessas

Pedras, ferve um gozo fértil e inverossímil que tange

Os pensamentos e faz da memória o lugar onde a vida

Vive e é revivida, tragando dela, do seu sulco mais agonizante

As horas que o céu lhe parece sobre a mesa e seus filhos

Ainda pequenos lhe olham como se houvesse, apenas, essa

Terra que gira, com sua luz que faz da noite o homem misterioso

Que zela pelas pedras e canta pela cabeça a antiga música

Das altas esferas. Mas tudo isso é letra, ou seus agregados,

Na rua um homem deitado não se lembra mais dele mesmo.

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 18/01/2024
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