O ARTISTA DOS ARTISTAS

Quando lanço o olhar no passado, não sinto vergonha das minhas atitudes. Se errei, foi tentando acertar; se sofri, foi por tanto amar; se menti, foi para não magoar. Já me perdi nas trevas das noites cerradas sem enxergar a saída; já desisti da caminhada antes mesmo da partida; já fiquei sem chão para pisar nem rumo a seguir. No entanto, foi no caos dessas águas sem espuma, sem marola alguma, que aprendi a navegar entre as sombras, entre as ruínas, nutrindo-me das palavras que os ventos auspiciosos me traziam, palavras que me diziam que era possível avistar algum litoral na imensidade do oceano e transpor as muralhas que me confinavam no horror da escuridão que me paralisava e da distância que me desanimava. Por inúmeras vezes, tive de me reconstruir, de me reinventar como pessoa para permanecer de pé. São e salvo das tempestades adversas que me pegaram de surpresa quando eu fazia planos e abria sendas para chegar a um futuro melhor. O leitor há de concordar comigo que essas intempéries ocasionais, embora extensas e intensas, aos poucos perdem a força à medida que nos tornamos mais fortes que elas e, dia a dia, a vida vai ganhando um contorno mais nítido e o céu, antes nublado, vai adquirindo um azul cada vez mais límpido. Há sempre um porto seguro em algum litoral. O importante é não perder a esperança porque, uma vez perdida, perde-se também o entusiasmo.

A duras penas, conquistei um aprendizado que hoje me fortalece o espírito. Aprendi com as adversidades a me sentir seguro, mesmo quando levado pelo impulso de alguma forte corrente ou de alguma impetuosa ressaca. Aprendi que me torno forte na fraqueza quando não creio nela e que posso ultrapassar os obstáculos quando me vejo maior que eles. Quando lanço o olhar nos caminhos que percorri no passado, vejo pegadas ao lado das minhas, embora acreditasse caminhar sozinho. Eram as pegadas de Deus. Muitas vezes, o solo que me sustentava rompia-se à minha direita e à minha esquerda. Então, sentava-me cabisbaixo e triste, deixando-me levar pelo desalento e via-me diante no impasse entre desistir, adiar ou persistir na consecução dos sonhos que abraçara para dar sentido à vida. Nessas ocasiões, a fé em Deus foi a base sobre a qual prossegui a caminhada que planejara. Creio que para isto vim ao mundo: para conhecê-lo e auxiliá-lo quando me for favorável; para enfrentá-lo e vencê-lo quando me for desfavorável; para criar muros que me protejam dos inimigos e pontes que me aproximem dos amigos. Durante todo esse tempo vivido, o que despertou em meu espírito a ideia da superação foi a crença inabalável em um Poder superior ao meu e a evidência de sua presença singular na alegria e na tristeza, tão absoluta, extrema e concreta.

Assim penso a respeito de mim mesmo e do mundo. Ler a realidade, em parte realista e em parte mágica, é lançar um olhar na complexidade do mundo e na simplicidade da vida, que são os temas de todo mundo. Os dramas e devaneios andam de mãos dadas na vida terrena, que conjuga a constatação do definido e a suposição do indefinido. Com certeza, a existência de Deus é inconcebível pela mente racional, mas podemos imaginá-lo pensando o seguinte: Deus é a causa e nós somos o efeito. A vida é uma oportunidade de conhecermos a nós mesmos, e à medida que nos conhecemos, conhecemos também a nossa origem divina. O homem é convidado a todo momento a refletir sobre o mistério da existência.

Eu sou o protagonista dos hábitos e costumes excêntricos adquiridos da cultura social e da capacidade nata de contentar-me com a luz lunar na falta da luz solar, um estimado companheiro de mim mesmo nos dias azuis e cinzas que se revezam na vida, estando sempre um degrau acima do mundo exterior e mil degraus abaixo de Deus, a quem acompanho desde a infância com um olhar interior que é uma mistura de assombro e adoração, espanto e devoção. Se a vida é uma arte, Deus é o Artista dos artistas.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 06/09/2017
Reeditado em 29/09/2017
Código do texto: T6106613
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