Hoje sinto

Hoje sinto um peso que me olha

com cara de quem quer me engolir.

Sinto uma vida lisa que me abandona

sempre, mole. Esquizofrênica.

Meu coração não aguenta lembrar

da infância, que foi bonita

e que foi embora.

Foi-se. Como folha seca,

que se desmanchou na inexistência

do outono triste de minha vida.

Minha maior tolice é crer cegamente

que todas as coisas lindas

não poderão morrer nunca.

Por todas elas, me parto assim,

como um resto de saudade.

Ou como um rosto importante de que não se lembra.

Nada deu conta de ser eterno.

E eu, eu apenas choro

como um bloco de folhas coloridas

que nunca foi usado. Que morreu.

Dentro de uma gaveta,

entre um punhado de retratos velhos

e de canetas que não funcionam.

Não gosto de rendição,

de lamentos.

Eu não me entrego.

Eu não me entrego, e ainda assim

não dão medalhas pra quem vence um dia.

Após e após outros e outros dias.

Se é isso a vida, sei que devo aceita-la.

E aceita-la como se aceita nascer,

enquanto ainda não se sabe dizer "não".

Quero viver como vive um sorriso.

Um sorriso largo e teimoso,

mas que ainda é sorriso

mesmo sendo amarelo.

Sinto que um dia ainda vou chorar

e chorarei novamente. Sempre.

Enquanto não sentir meu uso.

Sempre que pensar

e que pensando, sentir

que a vida, aguda e impaciente,

testando suas canetas,

ainda não rabiscou

todas as páginas de minha alma.