Alma viva ou alma sem vida?
Por volta das 23 horas de uma chuvosa noite de inverno, eu e minha irmã Neuza retornávamos de uma viagem à Piracicaba/SP. Já estávamos quase em frente ao Calcário Cruzeiro da Marechal Rondon, entre Maristela e Pereiras. A chuva engrossava e as conversas se aqueciam entre nós.
Estávamos a 1 km da ponte sob a qual o que existia não poderia ser chamado de rio devido à suave marca d'água que cortava o seu leito, quando avistamos a mulher na cabeceira da mesma! De súbito e sem fôlego reduzi a marcha. A conexão entre eu e minha irmã foi imediata. O que uma grávida estaria fazendo aquela hora da noite, numa chuva daquelas, e numa auto estrada onde não havia nenhuma casa por perto?
A medida que nos aproximávamos a silhueta da mulher grávida ia se definindo.
Já muito próximo dela, desacelerei completamente considerando a possibilidade de ela cruzar a frente do carro.
Eu e minha irmã, sem nenhuma palavra, com o carro já parado, também paralisamos com a situação que estatisticamente não durou mais que alguns segundos.
Era mesmo uma gestante? Diante do farol do carro refletido em seu rosto a verdade se revelou. As décadas vividas eram claras. Pelos traços fisionômicos, os cabelos brancos, e a pela muito envelhecida, ela não tinha menos que 70 anos. O que tornava praticamente improvável uma gestação.
Parada agora na frente do carro, quase podíamos sentir a sua respiração!
Ela nos fitou nos olhos simultaneamente, levou a mão nos cabelos e os prendeu atrás da orelha. Gelamos. Nem uma palavra dentro do carro e lá fora, na estrada, parecia que não havia mais viajante no mundo.
Ainda nos fitando nos olhos ela se afastou dois passos e a vimos de alto a baixo. Improvável ou não pela idade, ela estava mesmo gravida. Era muito magra e pela lógica não tardaria uma semana para o nascimento bebê. Com 1 ou 2 passos para a esquerda ela simplesmente "desapareceu", como num passe de mágica, como se não estivesse mesmo ali.
Numa atitude intuitiva e quase mecânica nos duas abrimos o vidro pensando que havíamos nos distraído ou sido golpeadas pela ilusão ótica. Em vão. Olhamos em volta e... Nada!
Ainda lentamente, pois me sentia sedada, engatei a marcha e saímos. Por algum momento que não posso mensurar quanto durou, o silêncio era a única voz que se ouvia no carro. Mas de repente, como se acabasse o efeito da droga que nos mantinha paralisadas, desatamos a falar, ao mesmo tempo, atropelando uma a outra com palavras carregadas de emoção, de pânico, de mil perguntas para as quais não encontrávamos resposta.
Anos depois conversamos sobre a estranha ocorrência daquela noite mas nada concluímos. Mas aquele rosto, aquela mulher se tornou para mim um infinito incógnita. E mesmo não tendo encontrado evidências que justificasse, que explicasse a cena que se desenrolou bem diante dos nossos olhos naquela noite, jamais deixei de pensar naquela mulher, as perguntas, todas elas sem resposta, jamais se calaram dentro de mim.