E o Quico?

17h00.

Estou eu conversando com ele porém sem respostas (Quico sempre foi um pássaro metido a besta, igual meus amigos do whatsapp e do facebook que não me respondem). Como ele não era comunicável, subi na laje para me encontrar com o Juarez. Ele sim é meu truta, meu camarada. Como sempre, ao me ver nos últimos degraus para a laje, ele ergue a cabeça e, me fitando com seus olhos azuis semiserrados, solta um miau sexy, longo e um tanto gay, tipo, 'minhaummm-hum'.

Como um lorde inglês que é, Juarez se levanta ao fim da conversa, faz seus alongamentos e se deita num canto afastado, no outro lado da laje. Esta é sua maneira de dizer 'Obrigado pelo diálogo e carícias, humano. Retire-se'. Foi o que eu fiz.

17h15.

Minha mãe está em seu trabalhos maquinários para algumas grifes de renome na moda nacional (por exemplo, a coleção da Ana Hickmman que mais parece uniforme para domésticas ou governantas - um horror, diga-se de passagem), quando, aproximadamente no horário acima citado, ela escuta o Quico conversando com o Loro da vizinha, que cantava uma mistura de 'Atirei o pau no gato' com a música 'Oração pela família' do padre Zezinho, ficando quase assim: 'Abençoa senhor as..aa..aaaaa... tirei o pau no ga-to-to...'. Pelo menos o pau atirado no gato era abençoado, por isso a dona Chica não o matou.

17h30.

Terminando minhas tarefas de faxineiro-serviçal-prestador de serviços em casa (nunca, eu alerto a vocês, NUNCA fiquem desempregados ou desocupados dentro de casa, o seu destino pode ser cruel e devasso) fui para o tanque lavar o pano de chão quando, ao erguer os olhos para a gaiola do Quico, noto que ele não está visível nela. Largo o pano e chego mais perto da gaiola procurando pelo pássaro azul. Na minha cabeça, de retardado, um periquito de quase 13cm se escondia atrás de um potinho de água e de ração de 5cm. Olhei em volta da gaiola e a mesma estava vazia.

No quintal havia apenas duas pessoas e um gato lindo andando livremente, sendo estes eu, minha mãe e o Juarez. Chamo minha mãe que vem rapidamente e ambos começamos a discutir como será que o Quico saiu. Ninguém havia entrado no quintal. A gaiola estava com todas as portinhas fechadas. Não havia passagem aberta entre as grades, EXCETO por uma grade que estava um pouco mais afastada das demais. Logo eu me lembro da dança exótica que o Quico fazia: se pendurar nas grades laterais da gaiola e jogar o pescoço e em seguida o corpo pra trás, repetindo várias vezes esse movimento.

Tudo não passava de um exercício de fortalecimento dos membros inferiores para poder abrir passagem entre as grades verticais. É a única explicação. Quico deveria ser verde, quem sabe assim o teríamos chamado de Hulk e, após este causo da fuga, de Incrível Hulk. Nunca vi periquita poderosa como essa (ou periquito) que entorta grades! Enfim... Continuemos...

Após esse rápido diálogo e conclusão da fuga, eu e minha mãe percorremos o quintal, olhamos entre as plantas, subimos e descemos as escadas, entramos até na casa vazia onde temos nosso inquilino temporário, a Caga-sebo e seus ovos que estão sendo chocados acima do bocal da lâmpada do banheiro. Entro no banheiro, a ponta de pé, e a mãe protetora já coloca a cabecinha pra fora, a observar... Fecho a porta delicadamente, pedindo perdão pela intromissão.

Fecho a casa e volto ao quintal quando, subitamente, me vem um episódio que aconteceu anteriormente: o Juarez teria comido a periquita? Não que realmente o gato tenha comido outro pássaro, mas uma vez ele pegou com a boca um passarinho machucado que apareceu no quintal. Foi uma negociação muito grande, com muita calma, com muita atenção, porém o Lord Juarez entendeu a situação e deixou o Sanhaço nas mãos de minha mãe.

Voltando ao caso do periquito (estou alternando entre macho e fêmea pois eu não tenho ideia do sexo do animal fugitivo), corri para a laje atrás do Juarez. E ele não estava lá. Minha mãe sobe em seguida. Eu procuro no quintal vestígios de luta de um pássaro - penas, pedaços de asa, bico, sangue - e nada é encontrado. Minha mãe ordena com propriedade invocando o Juarez e ele se materializa em cima do telhado. Mesmo gordo, ele vem fazendo suas acrobacias e chega ao chão, imediatamente ele vai para as escadas e nos encontra no meio do caminho. Ao me ver, ele se senta e aguarda eu me aproximar.

Me abaixo na frente dele e pego sua cabeça. Ele fita seus olhos azuis nos meus, fazendo a cara do gato de botas do Shrek. Peço que abra a boca. Ele me ignora. Peço novamente. Ele nega virando o rosto. Já que ele não colabora, faço a investigação externa, verificando pernas, patas, peito procurando por manchas, sangue e etc. Nada. Volto a cabeça dele. Ele não abre a boca. Então eu tomo a iniciativa, seguro o maxilar dele e forço abertura da boca. Ele mostra os dentes pontudos, apenas. Boca fechada. Fiz um pouco de força e finalmente abro sua boca. Por seis segundos consigo examinar tudo e não há vestígios de sangue nem de massacre. Até seu hálito era sabor de ração Max Cat Carne de Cordeiro.

Depois da verificação, o gato foi inocentado e liberado da acusação de assassinato e o caso ficou ainda em aberto. Ficamos olhando para os galhos secos dilma árvore qualquer procurando pelo pássaro azul e nada dele dar sinal de vida. O pé de café, o pé de romã, as plantas grandes, todos os vegetais altos foram investigados e nada de ser localizado.

17h45.

Neste instante, as buscas foram finalizadas. Não encontramos nenhum vestígio de invasores, seja humano ou animal. Descartaram as suspeitas de o gato preto assassino da família rolinha - cujo ninho foi comido pai, mãe e dois filhotinhos - tenha repetido o ato. Não havia sinais de violência ou luta corporal entre o pássaro e terceiros. Devido às circunstâncias do aparecimento do periquito, vindo de uma tempestade que o deixou abrigado sob uma pedra de ardósia protegido da chuva, além desse sumiço misterioso - sendo mais provável uma fuga - podemos dizer que o pássaro é um retirante nômade que faz pousada nas mais diversas casas em busca de conhecimento do comportamento humano, para sua tese de graduação superior em recursos humanos no meio ambiente urbano. Assim a investigação é finalizada. Desejo ao Quico que tenha sucesso em sua pesquisa e em sua busca de crescimento pessoal.

Fato ocorrido em 26/10/2016.