Mr. Felipe (Mrs. Dalloway)

Meu registro civil é Felipe. Meu espírito é Felipe Sofia. Nomes iguais. Pessoas distintas. Nada mais esconde a disparidade entre dois seres diferentes. Ao mesmo tempo que se distanciam, tanto se aproximam. São dois em um só corpo.

Durante minha vida, fui fadado a ver algo tão estigmatizado. Até hoje, meu registro civil vive comigo. Nenhum problema. Não pretendo alterar. Gosto e me orgulho do nome e sobrenome que tenho. O problema é quando vira “uma marca”. Para sociedade, eu deveria ser o homem; patriarca; futuro pai de família; médico ou advogado; casado; discreto; provedor.

Esses rabiscos não foram feitos por mim. As letras não pertencem as minhas folhas. Fui baseado nos outros, sabendo no fundo que não era eu. Mesmo assim, precisava por um sorriso na cara, como um bom anfitrião da sociedade e servir um bom chá de hipocrisia. Como um momento, caí nesse conto moderno do vigário.

Do outro lado, Felipe Sofia (ou Anastásia) era gerado por dentro. Por gritos de socorro. Eu não dava os ouvidos. Podia achar que era loucura. Ele era apenas um ser humano, querendo sair de sua costra mais escura. Não é um homem. Nem uma mulher. Não tem cor. Na verdade, é completamente sem rótulos. Como Sofia, ela só queria amar e dar importância ao percebido. Só faltava corar.

Uma pessoa passou em minha vida. Ela sempre acreditou e seus olhos me viam como um ser humano. A história podia se basear em mais um “conto” de machismo. Na verdade, ela escolheu aquela vida e foi embora com orgulho. Entretanto, fiquei sem meu chão.

A idade foi passando e os dois lados foram se aproximando para o embate. Alguém teria que assumir. Os desenhos de minha vida não eram as mesmas. Assumi algo que no fundo não precisava. Por quê? Reconhecimento de mim mesmo? Fui marginalizado e rotulado. As essências foram sumindo. Hora do combate.

“Já que assumiste, que pelo menos sejas discreto e provedor ou ande com pessoas da sua laia”. Aquilo me machucava mais do que qualquer outra forma de tiro. Era uma das frases de cartilha de comportamento. Eu deveria seguir aquilo. E a Sofia? Desaparecida em minhas entranhas.

Em meus caminhos, no vazio noturno, ganho um abraço. Um sorriso puro. Uma pessoa, de olhos negros e cabelos cacheados. Ela acreditou em mim. Meu laço foi além. Tratei-a como uma filha. Senti-me mais vivo. Um dia, ela foi embora. Perdi um pedaço. Deixou uma marca. Ficou em meu peito. Em meu coração.

A vida estava corrida. As pessoas foram vivendo. Eu era o que tinha que comprar flores e agradar a todos com um sorriso, já que não tinha mais moral. Tudo tinha ficado banalizado. Era uma espécie de segunda classe. Devia obedecer aos senhores. Senhoria e vassalagem. Não reconhecia mais quem era eu mesmo.

Um dia, em minha cama, entre as lágrimas e o espelho. Tocava em meu rosto cicatrizado com os choros. Via-me em duas saídas: ou entregava todos os pontos ou começava a procurar a viver. Em algum lugar, eu sabia que iria sair. Em minha fé internalizada, sabia que chegaria o meu momento.

Quando chegou o dia do abandono, a renúncia de minha tal vida, veio o choque. O medo de soltarem o meu “eu”. Apenas queria viver uma busca de um pôr-do-sol. Compreender os sentidos e dar valor ao percebido, diz Sofia. Agora, é a minha hora de explorar o mundo.

Falando nisso, cadê Sofia? Mesmo com a grande mudança, eu sentia falta dessa “figura”. Na verdade, ela sempre esteve comigo. Dei ouvidos pela primeira vez. O “Eu, Felipe”, o “Eu, Sofia”, que não parou de brincar quando começou a amar e quando começou a corar, procura compreender o real sentido de tudo. Eles só queriam dizer uma coisa... vivam!

Sofia do Itiberê, Anastásia, ComX, Eco de Matos, Camus de Matos e Leão de Melo e Cassulo de Melo
Enviado por Sofia do Itiberê em 19/07/2016
Reeditado em 12/09/2016
Código do texto: T5702597
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