Paradoxo da Devolução
 
Luiz Carlos Pais
 
 
Na linha didática proposta pelo educador Guy Brousseau, o conceito de “devolução” leva a um paradoxo, conforme o próprio autor observa, do qual o professor deve ter consciência, inclusive para melhor conduzir suas práticas de ensino, reconhecendo sua existência e os limites com que o mesmo pode atuar na realidade da cultura escolar. O professor que pretende seguir os parâmetros de uma prática de ensino de natureza mais construtivista, em sintonia com as orientações avalizadas pela instituição em questão, tem o desafio de levar o aluno a elaborar o seu conhecimento matemático, com recursos efetivamente dominados por ele, incluindo os seus conhecimentos anteriores e os instrumentos (saberes) estruturados no meio.
 
Nessa linha didática, portanto, espera-se uma postura de maior autenticidade nas ações que está muito distante das antigas práticas da cópia e da repetição ou das supostas “transmissões ou transferências” de conhecimentos do professor para o aluno. Em outras palavras, espera-se que alunos de professor estejam dispostos a ampliarem seus compromissos e responsabilidades nos contratos adotados. O aluno disponível a vivenciar as forças contraditórias da adaptação e da aculturação passa a envolver-se efetivamente na elaboração do conhecimento.
 
Admitindo que a devolução, conduzida pelo controle e regulação das ações docentes, tenha ocorrido de modo satisfatório, o aluno aceita para ele a responsabilidade de ser protagonista do seu conhecimento. Entretanto, essa suposta aceitação do aluno não ocorre de modo livre ou espontâneo como poderia ser ilusoriamente entendido. Uma vez que ele aceite entrar no jogo desafiante de elaborar seu conhecimento, esse não poderá ser uma produção qualquer, que afaste excessivamente do saber matemático de referência. As atividades de estudo estarão amparadas por parâmetros, caminhos e por noções que visam à objetivação do entendimento subjetivo do aluno.
 
Em outras palavras, esse viés metodológico construtivista ampliado (minha expressão) não está abrindo mão da diferença essencial que existe entre a objetividade própria do saber matemático e a subjetividade das concepções afetas ao entendimento do aluno. Existe um saber de referência que a instituição avaliza e o professor deve comunicá-lo sem precisar revelar sua parte essencial, pois espera-e que o mesmo seja sintetizado pelo aluno. Há uma liberdade atribuída ao aluno, mas, por outro lado, também há a exigência de não jogar no lixo a natureza dos conceitos matemáticos. Nos dizeres de Brousseau, “o que é incompatível com uma relação contratual.” Não deixa de haver aí uma violência simbólica, tema para outro retorno ao domínio conceitual da teoria.