Aculturação e adaptação
 
Luiz Carlos Pais
 
 
Os conceitos de aculturação e adaptação são mencionados por Guy Brousseau para destacar um aspecto essencial do ensino escolar e relacionar essas duas ideias na fundamentação da chamada teoria das situações didáticas. É bom lembrar que no contexto da educação matemática são consideradas noções primitivas, no sentido de dispensar uma definição burocrática e exigir uma análise conceitual de suas implicações, pois são essenciais na constituição básica da teoria, e que por isso mesmo devemos retornar a elas, quantas vezes forem necessárias, para entender o alicerce da proposição teórica. Não podemos aqui esquercer a lição do filósofo Gastão Bachelard que dizia ser a formação do conhecimento científico um processo disponível a sucessivas retificações, ao invés de exigir dogmas ou crenças indiscutíveis.

A ideia de adaptação mencionada pelo autor encontra-se qualificada como independente, ou seja, não é uma adaptação coercitiva, no sentido de resultar de uma possível imposição de normas, regras ou cláusulas contratuais, as quais o aluno deve acatar para ser inserido num determinado ambiente social.
O termo adaptação teve origem externa à didática e assumiu um significado especial no pensamento evolucionista. Entretanto, ao ser transposto para o campo da didática, o mesmo não deve ser entendido como uma suposta adaptação instintiva, fenômeno que ocorre com na escala biológica dos animais inferiores.

A adaptação independente proposta por Brousseau diz respeito às escolhas feitas pelo aluno por sua “livre” iniciativa, inserido numa situação didática na qual ele é levado, com seus próprios recursos, propor uma solução alternativa, uma resposta capaz de proporcionar a sua adaptação do meio. Do outro lado, oposto a esse da adaptação independente, está o fenômeno social da aculturação, pelo qual o aluno é levado a acatar normas, regras e padrões ditados por uma cultura escolar precedente às suas referências pessoais.

 
Em outras palavras, quando o aluno é levado a inserir-se numa instituição escolar, nesse ambiente ele encontrará uma cultura, por vezes, amplamente cristalizada pelo tempo. Esse ambiente não tem quase nada de libertário e natural. O aluno será levado a interagir com uma cultura distante das condições naturais de vida não social. O conceito de contrato social, proposto por Jean Jacques Rousseau, no quadro mais amplo da sociologia da educação, previu esse desafio de “se fazer sujeito” diante de condições nem sempre não prazerosas. Processo esse que alguns autores chamam de assujeitamento. De fato, não somente a devolução didática como toda a cultura escolar tem certo tom de violência simbólica, tema esse ao qual retornaremos.
 
Para estudar a dialética existente entre esses os dois processos, de aculturação e adaptação, no caso específico da didática da matemática, autores do programa epistemológico ressaltam a importância de analisar a especificidade dos conceitos matemáticos e os recursos a serem disponibilizados no meio didático, para que o conhecimento aferente possa aproximar do saber científico. O ensino escolar, não sendo uma atividade natural, requer a produção de situações didáticas potencialmente capazes de favorecer a interação entre a aculturação e a adaptação. Brousseau destaca esses dois processos ao afirmar a necessidade que sentiu, no início de sua carreira, da psicologia cognitiva geral (sem considerar as especificidades dos saberes envolvidos).

As primeiras sínteses que levaram à constituição da teoria das situações didáticas vieram à tona quando ele trabalhou com o psicólogo Pierre Greco.  Para finalizar, caso você deseje interagir com o autor, enviar um comentário, discordância ou complemento, favor inserir abaixo sua mensagem pública ou, caso preferir, envie uma mensagem por e-mail, pois a finalidade maior desta redação é o estudo dos dois conceitos, visando entender as bases da teoria das situações didáticas.