Assim como na Grécia Antiga...

O sentido da política é a liberdade, disse a filósofa alemã Hannah Arendt. Liberdade de expressão, de união. Num período de guerras e revoluções em nome da democracia, – sonho humano idealizado e almejado a tanto tempo, porém nunca concretizado – numa época de guerras mundiais e ápice do autoritarismo, vozes solitárias ganham a coletividade e entram no cenário político como mudanças, muitas vezes, passageiras. Mudaram-se os tempos, os ventos, caíram-se os muros da hipocrisia, estátuas de heróis mortos, reputações indignas, mitos ultrapassados, embaralham-se no jogo social, tonam-se cartas com novas caras, mas mesmos princípios, e ditas as regras. Porém, política e liberdade, juntas, em sua pura forma, são o sopro vital para as sociedades humanas.

A política, aqui debatida, não é aquela disputa partidária pelo poder político – sempre acompanhada de violência, xingamentos, difamação e inúmeras fraudes – a que estamos tão acostumadas a aplaudir, porém, refiro-me a genuína, sinônimo da ação dos cidadãos no espaço público e do exercício representativo do poder de Estado, das decisões fundamentais ao bem comum. No Brasil, isso é evidente. Um grande número de pessoas não se reconhece mais como ser político. Não raro, ouço de muitos essas expressão, principalmente no período eleitoral: “Eu não me envolvo com ‘política’”. Contudo, engana-se quem exclui-se da política social por não mais reconhecer nada de bom na política partidária. A politicagem é poder, tornou-se um comércio de compra e venda de votos, troca de valores e favores e, sobretudo, o vale tudo pelo domínio da maquinaria pública. E os partidos, na maioria das vezes, agem como se não houvesse vida política fora. Essa é a realidade. Estamos tão acomodados a enxergar somente nos colarinhos brancos os heróis da pátria, que esquecemos dentro de nós o herói que existe.

Penso até que existe uma espécie de memória coletiva do período autoritário impressa neste modo de agir. Na ditadura militar tínhamos uma bipolaridade na política nacional. Lutar contra a ditadura implicava estar sob a cobertura de um grupo organizado e submeter-se às suas regras na clandestinidade ou mesmo, o terrorismo e a guerrilha. Ou então, no partido da oposição legal, que virou abrigo de combatentes de um amplo espectro ideológico. Com a redemocratização, os partidos ainda se veem como núcleos hegemônicos de ideias e propostas de mudança. Mas não são mais. Os tempos são outros, a sociedade não é mais a mesma. Seus papeis se configuram hoje apenas como coadjuvantes no cenário político, apenas a porta de acesso a parte do poder de Estado estabelecida na Constituição.

Hoje, os cidadãos e as cidadãs estão criando uma política limpa, livre, viva no cotidiano, internet, ONG’s, igrejas, manifestações nas ruas. A via partidária deixou de ser o única para ser apenas uma opção. Assim como na Grécia Antiga a vida política era discutida nas praças por todos (nem todos, pois as mulheres, jovens, escravos e estrangeiros não tinham direito a voz, comprovando, assim, que a democracia é uma fraude deste o princípio). O grande desafio da democracia atual é criar espaços públicos e múltiplos de participação política popular. Está na hora de gente e partidos se entenderem. O partido não é mais a esperança, o herói, o guia do povo, é o parceiro que ouve e atende os anseios gerais. Chega de diluir diferenças e problemas e fundir sonhos, conquistas passadas. O âmbito partidário não aceita mais ser os coautores, donos de valores indissolúveis. Atendem somente os seus próprios interesses, hegemonia e compartilhamento do poderio com os colaboradores. Não cabe mais neles o papel de humildade de carência do povo – nem os que saíram do povo querem mais retornar a vida dura de homem comum.

É evidente que a sociedade brasileira está mudando. As manifestações foram um aviso que nada está como antes. Algo quebrou e não há como consertar. O povo cansou de ser apenas público de um espetáculo lulante e quer ser o autor da nova história brasileira.

Belinda Oliver
Enviado por Belinda Oliver em 02/01/2016
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