Razão do escrever

(texto composto há uns dez anos)

Por um tempão achava que escrever fosse para almas angustiadas, ou quando pouco, penadas. E quando muito, peladas.

Mas a alma não é tudo. Pelo menos para o que sem ela pena. Ou que tem pena dela. Que esparrela...

Achava-me normal, na juventude, e pela estrada da maturidade, que me parecia uma eternidade, e portanto, não via sentido no escrever, no registrar impressões, no poetar, nas nuances e nuíces dos serões.

Não chegava a me compadecer, ou compadrecer mesmo, de colegas que se lançavam à pena e às penas. Mas comigo mesmo dizia que alguma coisa errada havia, ainda que em poesia.

Uma vida normal, ou, vamos lá, mornal, não dava margem e trela pra essa frescura de literatura, de dor de cotovelo, pois mais belo que ele insista em sê-lo. A vida era pra ser vivida, sorvida na ligeireza e inteireza - queria aqui usar completude, pois já vi e citei essa palavra, que não é de minha lavra, mas a alma lava e lavra.

No máximo, eu me atrevia a registrar uma ou outra página de acontecências ou querências num diário. Cheguei a encher 3 ou 4 cadernos, até que nos enchemos uns do outro e virei página revirada, ou capa sem lombada.

E agora, de repente, com a Usina de Letras, dois anos faz, ou reformulei todos esses meus conceitos, ou me conformei ao que combatia. E veio, de borbotão, a compulsão. Seis mil e tantos textos. Textículos, pestículos, todos ou quase, no contexto.

Sinto-me assim, vai ver, como os americanos que foram ao Iraque para derrubar Saddam e depois de tanta derrubada pra nada, chamam os sadamitas (não confundir) para botarem ordem no país.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 21/09/2015
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