Reinvenção.(EC)
 
Nunca esqueceria a primeira  festa da Padroeira que passara na Vila. Comemorava-se então o segundo Jubileu  e fora uma festa inesquecível, por muitas razões: pela festa em si mesma, comemoração que demoraria a se repetir, mas principalmente pelas mudanças que trouxera para sua vida.

Decidira aceitar o convite de sua faxineira de anos, sem muitas expectativas, embora soubesse que seria bem recebida. Afinal tinha colocado a letra no Hino que Jeferson, o marido de Marta havia composto para a data. Mas o  que ela  queria mesmo era apenas fugir um pouco da mesmice de seus dias e se deixara contagiar pelas lembranças remotas de Primeiro Jubileu quando Marta era ainda uma criança. De tanto contar-lhe, semanalmente, durante um ano, como fora a primeira festa e como se esperava que fosse a segunda, acabou incorporando para si as lembranças e os sonhos da outra. Assim é que aceitara o convite e até oferecera o próprio carro, um fusquinha verde bem cuidado, para que Jeferson,  que era motorista de profissão, as levasse.

Durante toda a vida da Vila comemorava-se anualmente a Festa de Santa Ana, a Padroeira. Nos primeiros anos de maneira bem simples, uma festa religiosa dentro da Igreja. Aos poucos foi-se ampliando a festa com procissão e barraquinhas, leilões de prendas doadas para a Igreja e bailes ao ar livre. Para o primeiro Jubileu, o vigésimo quinto aniversário da vila, a Festa se expandiu de tal forma que a comemoração durou três dias e agora a Programação era de uma semana inteirinha, de domingo a domingo. Então, foram preparadas para passar ali uma semana. Jeferson, que não conseguira licença do trabalho as levaria e depois voltaria para buscar. Estava bastante indignado por perder uma festa que certamente seria inesquecível e na qual seria homenageado, pela vitória conseguida. Para ela, sem nenhuma dúvida, foi.

Pela primeira vez vivenciara uma festa na roça e convivera com aquelas pessoas simples e altamente religiosas e que faziam de sua fé uma alegria sem tamanho. Foram dias de céu azul, sol brilhante e lua encantada. Um modo de viver que estava acabando. Os próprios moradores da vila tinham partido, em busca de lugares mais promissores e restavam poucos ali, resistindo, uma resistência destinada ao fracasso. Talvez tenha sido isso que a levara a ficar ali, para sempre, até quando outra vez, mudasse de opinião. Foi o que disse a Jeferson quando voltou para busca-las e levou só Marta. Tinham combinado tudo, as duas. Trocariam de casa. Marta e Jeferson mudariam para seu apartamento, ela ficaria ali, na casa vazia da família de Marta, da qual não restava mais nenhum membro na vila. Só a casa vazia recebendo visitas durante a Festa da Padroeira. Uma cuidaria da casa da outra. Ela continuaria pagando os  impostos e o condomínio de seu apartamento embora nem mesmo soubesse como. Não havia trabalho  ali na vila, ela teria que reinventar-se. E foi o que fez. Reinventou-se e manteve o povoado vivo por mais algum tempo. Enquanto ela deixava-se morrer para dar origem a uma nova mulher.
 
Este Exercício Criativo, publicado em 12/12/2011, reuniu os escritores em torno do tema "Uma Festa Inesquecível", proposto pela Maith.
http://encantodasletras.50webs.com/festainesquecivel.htm

Texto escrito especialmente para o desafio de O Encanto das Letras com o propósoto de se tornar mais um capítulo do romance A Mulher Ensombrada)