O Tiririca e a Perfeição

O tom de deboche assumido nas campanhas com a apropriação do discurso anuncia que a nossa ignorância, assim como a capacidade de nos curvar aos ditames da mídia em detrimento de nossas necessidades, já estão salvos da hipocrisia.

Um bom começo.

No livro V da Política, ao ser indagado sobre o que diferencia a nós, seres humanos, da mera condição de animais, Aristóteles responde que é simplesmente a capacidade de exprimir verdades. Aqui, Aristóteles ignora as técnicas sofísticas que consistem no alcance da eloqüência para convencer e não necessariamente de verdades, em virtude do que é inerente ao “ser” humano enquanto a busca de idealização da perfeição.

No maior período de censura da História do ocidente, a Igreja, percebendo que a capacidade de denunciar os abusos através do discurso e do pensamento era subversiva por ser uma ameaça às suas imposições, suprimiu tais acessos à população. As missas eram rezadas em latim, língua que só os eruditos tinham acesso. Ora, como discordar daquilo que não se entende? Este é um breve exemplo da dominação através da inacessibilidade da língua, uma vez que as práticas de domínio através do não acesso ao conhecimento, exercidas pela Igreja foram amplamente estendidas. Claro que, essa forma de dominação da Igreja foi fomentada pelo cunho político que tinha por fim o domínio das massas e não meramente pela moral.

Para os dias da história da política brasileira, não podemos ir além. Basta lembrar-nos do quanto a expressão verbal já foi violentamente reprimida. Ou se não, de como a erudição, muito longe da realidade brasileira, foi um meio pelo qual o discurso político manteve afastado o povo, que incapaz de entender tal linguagem, era igualmente incapaz de criticá-la.

Porém, a postura de deboche através de pessoas que possuem uma ampla influência pública não é de hoje. Basta nos lembrarmos de algumas respostas com risinhos irônicos de alguns políticos quando indagados sobre suas contas no exterior, entre outras pilhérias. No entanto, aqui se trata de uma postura ao comunicar o deboche, seja pelo roubo descarado ou um sorriso irônico, mas a fala remetia à negação da atitude corrupta. Um escárnio que fugia aos padrões de uma norma lógico-formal. Ou quando assumia a postura de uma formalização plausível, chegava aos absurdos de se justificar os meios pelos fins, com uma tosca máscara de honestidade pela maneira de assumir o crime cometido, como “rouba, mas faz”.

Se cada povo tem o político que merece, nós, brasileiros, por muito tempo merecemos a corrupção vinculada à hipocrisia. Mas, no papel inevitável que a mídia e a comunicação massiva desempenham ao revelar a nossa realidade, ao revelar as preferências de um povo, haveria o momento em que a verdade seria levada a cabo não somente na postura, mas finalmente, ao discurso.

Chegamos ao ponto crucial das campanhas eleitorais serem a extensão do que se percebe nos programas televisivos de maior ibope: pessoas que tem a imagem pública vinculadas aos programas de auditório, à exposição sexual sexista, aos times de futebol, campanhas políticas estúpidas com hits alegres e refrões imperativos, entre outras modalidades que a comunicação se estabelece com sucesso em nosso país.

Analisado este pano de fundo político em que o Brasil está e vem inserido, em um olhar mais amplo, desde sua colonização, nada mais sincero e verdadeiro que um palhaço oriundo do povo analfabeto, se candidatar e estender o deboche ao discurso, para além da postura. Em uma fala que exprime também a realidade do pleito eleitoral, um curto e acessível “porque pior não fica”, obtém assim, maior número de intenções de votos nas pesquisas.

Se levarmos em conta o domínio através da linguagem que não exprime verdades ou através da proibição que a exprima, representamos um avanço ao exprimir na fala, a condição de alienação circense e midiática que norteia nossas preferências e nossas vidas de anseios medíocres, do baixo incentivo à educação e à cultura.

Contudo, se a realidade se contentar apenas com sua expressão em todas as formas possíveis de comunicabilidade, o ideal da virtude da perfeição continuará igualmente inacessível, uma vez que não tiver ainda por tarefa a busca da expressão de outras questões. Se a sinceridade, ao se expressar, se negar ao pensamento crítico, a situação poderá sim, ficar ainda pior. Portanto, se a capacidade se assumir e de exprimir verdades através linguagem representa um passo, a busca pela virtude através da reflexão ainda representa um longo caminho.