O contador de fábulas: Esopo

Por volta do século VI a.C., em Anatólia (antiga Turquia), na região da Frígia, não se sabe precisar em qual cidade, nasceu Esopo. Vivera por lá durante anos. Tornou-se escravo de Xanto, o último rei mitológico de Tebas. Dizem que era gago, corcunda e muito inteligente. Graças a este último atributo, ao conseguir sua liberdade, pôde viajar para lugares distantes como a Ásia, o Egito e a Grécia. Foi assim que conheceu novas terras e outros povos. O monge Planudes o descreveu da seguinte maneira: era"[...] o mais feio de seus contemporâneos, cabeça em ponta, nariz esborrachado, pescoço muito curto, lábios salientes, tez escura, barrigudo, pernas tortas, encurvado..." (Planudes,Vida de Esopo, Sec. XVI). Era, no entanto, um exímio contador de histórias, todas com um ensinamento ético ou moral.

Dizem alguns que, em uma de suas andanças, Esopo conheceu o rei Creso, da Lídia, por quem fora protegido e encarregado de entregar oferendas no templo da cidade de Delfos. Nesta época, o ex-escravo, percebendo a cobiça dos sacerdotes e o fato de eles nunca ficarem satisfeitos com nada, vivia lançando sobre eles respostas sarcásticas. Esse modo de agir de Esopo deixava os sacerdotes bastante enraivecidos. Eles, então, por vingança, forjaram um roubo e deram a culpa em Esopo, que foi preso e condenado à morte ao ser atirado de um penhasco.

Nem todos, porém, aceitam esta versão da história e contam que, mesmo depois de receber de seu dono a liberdade, Esopo continuou frequentando a casa do seu ex- senhor, o rei Xanto. Foi através das viagens a outros países, no entanto, que adquiriu mais conhecimentos e, assim, teve uma ideia melhor do comportamento humano.

Esopo foi, na verdade, um excelente observador e leitor do mundo, um filósofo, um antropólogo e imaginativo criador de fábulas. Conseguia transformar o que percebia, no modo de se comportar e se relacionar do ser humano, em pequenas histórias um tanto peculiares. Seus textos narrativos eram curtos, simples, de fácil memorização, contados oralmente e apresentavam sempre um sentido e um ensinamento. Por serem de agrado daqueles que o ouviam, essas histórias foram passando de boca em boca e de geração em geração. Durante séculos, o povo foi o responsável por repetir por tantas vezes as histórias de Esopo até o dia em que estas foram transcritas para o papel e reunidas às fábulas de outros autores que, diferentes de Esopo, ficaram no anonimato. Foi Demétrio de Falera que as reuniu, em 325 a.C., em um único livro.

Alguns questionam se realmente Esopo chegou a existir de verdade ou se simplesmente foi uma personagem criada pela imaginação do povo. Alguns chegam a afirmar que todas as suas histórias são uma compilação de fábulas ditadas pela sabedoria popular. O importante é que hoje se tem trezentas e cinquenta e oito fábulas e todas esperando por um leitor crítico e ávido em aprender melhor sobre o comportamento dos seres humanos.

Uma das fábulas mais interessante de Esopo é aquela em que define o significado da língua, ora como instrumento do bem ora como instrumento do mal.

A FÁBULA:

A LÍNGUA

Esopo era um escravo de rara inteligência que servia à casa de um conhecido chefe militar da antiga Grécia. Certo dia, em que seu patrão conversava com outro companheiro sobre os males e as virtudes do mundo, Esopo foi chamado a dar sua opinião sobre o assunto, ao que respondeu seguramente:

– Tenho a mais absoluta certeza de que a maior virtude da Terra está à venda no mercado.

– Como? – perguntou o amo surpreso. – Tens certeza do que está falando? Como podes afirmar tal coisa?

– Não só afirmo, como, se meu amo permitir, irei até lá e trarei a maior virtude da Terra.

Com a devida autorização do amo, saiu Esopo e, dali a alguns minutos voltou carregando um pequeno embrulho. Ao abrir o pacote, o velho chefe encontrou vários pedaços de língua, e, enfurecido, deu ao escravo uma chance para explicar-se.

– Meu amo, não vos enganei! A língua é, realmente, a maior das virtudes. Com ela podemos consolar, ensinar, esclarecer, aliviar e conduzir. Pela língua, os ensinamentos dos filósofos são divulgados, os conceitos religiosos são espalhados, as obras dos poetas se tornam conhecidas de todos. Acaso podeis negar essas verdades, meu amo?

– Boa, meu caro, retrucou o amigo do amo. Já que és desembaraçado, que tal trazer-me agora o pior vício do mundo.

– É perfeitamente possível, senhor, e com nova autorização de meu amo, irei novamente ao mercado e de lá trarei o pior vício de toda terra.

Concedida a permissão, Esopo saiu novamente e dali a minutos voltava com outro pacote semelhante ao primeiro. Ao abri-lo, os amigos encontraram novamente pedaços de língua. Desapontados, interrogaram o escravo e obtiveram dele surpreendente resposta:

– Por que vos admirais de minha escolha? Do mesmo modo que a língua, bem utilizada, se converte numa sublime virtude, quando relegada a planos inferiores se transforma no pior dos vícios. Através dela tecem-se as intrigas e as violências verbais. Através dela, as verdades mais santas, por ela mesma ensinadas, podem ser corrompidas e apresentadas como anedotas vulgares e sem sentido. Através da língua, estabelecem-se as discussões infrutíferas, os desentendimentos prolongados e as confusões populares que levam ao desequilíbrio social. Acaso podeis refutar o que digo?

Impressionados com a inteligência invulgar do serviçal, ambos os senhores calaram-se, comovidos, e o velho chefe, no mesmo instante, reconhecendo o disparate que era ter um homem tão sábio como escravo, deu-lhe a liberdade. Esopo aceitou a libertação e tornou-se, mais tarde, um contador de fábulas muito conhecido da Antiguidade e cujas histórias até hoje se espalham por todo mundo.

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