{“Ai do mundo por causa dos escândalos!, porque é necessário que venham os escândalos, mas coitado daquele homem por quem venha o escândalo.” - Mateus 18:7}
 
 
Como podemos analisar o escândalo (o mal ou o pecado) tido por Jesus como necessário (ou inevitável, conforme a última edição revista e atualizada da tradução de João Ferreira de Almeida
[1])? Eu enxergo aí o mal não necessariamente ligado a quem o pratica objetivamente. Por outro lado, é impossível que o mal aconteça sem a participação do ser humano. E agora? Por que Jesus disse que o mal tem de existir, mas lamenta por aquele que lhe serve de veículo?
A queda pelo tropeço na pedra-mal é inevitável, porque sempre há uma pedra no meio do caminho. Aliás, a pedra já estava, ainda está e sempre estará lá à espera do mesmo e de outros tropeçadores.
Escândalos seriam os meios de queda. No tempo de Jesus havia a chamada “pedra de escândalo”.
Por isso a Tradução do Novo Mundo das Testemunhas de Jeová preferiu adotar a expressão “pedra de tropeço” e não “escândalo” como aparece na tradução do latim vulgar (“scandalis”) e na de João Ferreira de Almeida (conforme a atual Edição Revista e Atualizada). A versão esperanta das Escrituras preferiu usar “falilo”, ou seja, instrumento de queda, o que poderia ser, em português, “decaidor”, independentemente de ser um ser humano ou uma coisa.
A pena do apedrejamento servia para simbolizar que se alguém tropeçava na “pedra do escândalo”, ele tinha de ser punido com a pedra. Era uma adaptação do “olho por olho, dente por dente”. Por isso, Jesus pegou o embalo e também fez sua própria adaptação, ao dizer: “todos que pegarem a espada, perecerão pela espada” (Mateus, 26:52). Afinal, mesmo sendo a encarnação do Cristo, cultura e humanamente ele era um judeu, e precisava conversar com o povo-irmão na linguagem e na cultura entendida e aceita historicamente, usando símbolos linguísticos até então consagrados.
Só que com a pedra-pena quem faz o trabalho sujo é o próprio Estado religiosizado, representado por seus “briosos e respeitados” senhores de mãos calejadas (de tanto jogar pedras).
Quem tropeça na pedra é o homem.
A pedra-mal é representada, no geral, pelas tentações, obsessões, fraquezas da carne e instintos inadequadamente satisfeitos ou inadequadamente não satisfeitos ou mal atrofiados. Contem-se também vícios, drogas (inclusive algumas até mesmo ideológico-religiosas) e outros quejandos quedadores.
O problema maior é quando essa pedra aparece personificada na figura de outro homem. Aí quem vai responder mais do que o caído é a própria pedra-homem. “Coitado daquele pelo qual o escândalo venha”. Já naquele tempo, o “tropeço” era visto como ato com ou sem intenção do decaído, ou seja, seria o autopecado ou o heteropecado. Mas sempre haveria dolo, no mínimo objetivo, de quem provocava a queda de outrem, ou pela influência ou pela destruição direta mesmo.
Na cadeia produtiva do mal cada um responde por seu quinhão participativo direto ou indireto, mas o dolo maior, que faz agir, tem mais peso de responsabilidade do que o dolo menor, que age.
Daí a aparente ambiguidade do pensamento de Cristo. O trabalho sujo tem de ser feito, mas ai daquele (homem) que o fizer. É necessário que venha o mal, mas não é necessário que venha o mal-homem. Sentiu o baque nessa “pedra filosofal”?
O homem que induz outrem a cair é agente e é agido simultaneamente. Mas o próprio maldoso também está sendo covitimado por algoutra pedra-mal ou por algoutra pedra-homem. Ele é tropeço, mas é também tropeçador e é igualmente tropeçado.
E essa sequência aparentemente infinita vai se protrair no tempo, até quando cada caminhante começar a prestar mais atenção no caminho, para driblar, saltar ou se afastar cada vez mais das pedras-obstáculos, que são sempre menores do que a área livre e boa da estrada. Quando não houver mais tropeços, então as próprias pedras vão deixar de existir, já que elas são os próprios tropeçadores-tropeçados.


[1] Protestante português (1628-1691), que ousou traduzir a Bíblia para uma língua nacional, contrariando a proibição do Vaticano, que, desde o Concílio de Trento (1562), só permitia a leitura da tradução oficial (a latina) por todo o mundo católico. Almeida realizou essa tarefa em toda a sua vida, e só não teve tempo de traduzir os livros de Daniel a Malaquias, o que foi feito por seu amigo holandês Jacob op den Akker. Desde então diversas edições têm tido o condão de revisar, corrigindo ou atualizando, essa primeira e mais famosa tradução da Bíblia na “língua de Camões”.
Josenilton kaj Madragoa
Enviado por Josenilton kaj Madragoa em 15/02/2011
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