A PONTE DO PRECIPÍCIO (ROMANCE – PARTE I)

A Ponte do Precipício é um romance em dois tomos, cujo primeiro volume vou editar no RL, em partes diárias, como se fora uma nopvela.

TEMA: um grupo familiar cuja pobreza crônica vinha de diversas gerações. Quando o desespero de causa, a droga e a inabilidade da cupidez aliam-se a uma grande fortuna, tudo pode acantecer...

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A PONTE DO PRECIPÍCIO

CAPÍTULO PRIMEIRO

Árdua Vida

Mais um dia de árduo trabalho anoitecia. Miraldo fizera massa; carregara massa; espalhara massa. A ordem recebida por ele e seus companheiros de trabalho era terminar a laje do 23° andar do Edifício Stelamaris que estava sendo construído na praia de Copacabana. Desde o meio-dia já os primeiros sinais de chuva se faziam presentes na natureza, embora o serviço de meteorologia previsse chuva forte somente para o correr da noite. De fato. O tempo segurou-se seco até que os operários terminaram seu trabalho. Para desencanto dos pobres homens, após concluído aquele serviço estafante, tiveram que fazer o retorno para seus lares abaixo de chuva. Parecia que o tempo só se segurara para que o trabalho da laje pudesse ser concluído. Miraldo, esperando seu ônibus para o primeiro trajeto de retorno ao lar, não se furtou seco dessa empreitada. Conformado com sua sina, monologava com seus botões que só mesmo os ricos têm essa sorte. Os pobres fazem o serviço para eles; matam-se trabalhando e, quando o patrão não mais pode ser prejudicado, porque a laje do seu prédio está concluída, a chuva cai impiedosa, não se importando o tempo que molhe até os ossos os operários que a fizeram. Parecia que até ele puxava o saco daqueles que já tinham muito. Mas esperou pacientemente até sua condução lhe proporcionar o retorno, e seguiu até o ponto seguinte. O segundo ônibus, cuja rota era específica para aqueles lados, que tomava todas as noites para retornar ao seu bairro com pintas de quase favela, acabava de parar no ponto final. Dele desceram os operários que vinham dos seus respectivos serviços, deixando-o quase vazio. Ainda abaixo de chuva, Miraldo tinha que caminhar mais um quilômetro a pé, morro acima, para chegar ao seu rancho – lar, doce lar. A mulher, Felisbina, a Bina, como a conhecia toda a vizinhança, ainda o esperava ao pé do fogo, como o fazia todas as noites. Não arredava da tosca cadeira, onde ficava remendando as roupas do marido e dos filhos, até que todos estivessem em casa. Os dois filhos mais novos acabavam de chegar da escola quando o pai, naquela noite, veio do trabalho. O mais velho sempre arranjava uma desculpa esfarrapada para seus atrasos. Não que trabalhasse no centro do Rio e, como o pai, precisasse tomar dois ou três ônibus para chegar ao bairro. Quando saía do seu trabalho passava em uma birosca de amigos seus para tomar um copo de cerveja, como ele dizia. Não estudava porque, segundo ele, de que adiantava estudar para ter que se contentar com o trabalho de servente de pedreiro? Só depois de longos anos de estudo poderia almejar coisa melhor. Mas a fome e as necessidades de sobrevivência estavam aí agora! E isso o desestimulava. Aos pais só restava conformar-se com isso. Pelo menos trabalhava e ajudava um pouco com o sustento da casa. Nessa época de vacas magras, isso era muito importante. Os outros dois filhos levavam a sério o estudo. Quando eram mais novos, na colônia, não tiveram oportunidade de fazer o fundamental completo e se preparar para a universidade. O pouco que plantavam e colhiam nas beiradas de terra que arranjavam para cultivar na vizinhança, mal dava para defender o feijão da mesa e para colher algum pasto para a vaquinha de leite. Nem por isso se descuidavam do estudo. Tudo o que podiam aprender naquele fim de mundo era válido. Sempre esperavam que, um dia, a situação poderia melhorar. Os pais haviam falado em se mudar para uma cidade, onde todos pudessem trabalhar e, os salários somados, dariam para eles estudar e levarem uma vida decente. O pai trabalhava, naquela época, de tratorista para o seu Mário, um rico latifundiário. Às vezes tinha que ir com o patrão trabalhar nas terras dele no Mato Grosso do Sul. Mas isso era só na época da safra do feijão soja. Trabalhava como um burro de carga e nada ganhava a mais por isso. Ficava meses longe da família. Dormia mal no acampamento improvisado e, muitas vezes, faltava, até, o essencial para uma alimentação digna do trabalho de mouro que realizavam todo dia, de sol a sol.

Aqui na cidade, apesar dos pesares, estavam felizes. Muitos dos que abandonaram a agricultura e vieram para a cidade tentar uma vida melhor, ainda estavam desempregados. Não era fácil conseguir um trabalho estável. Em vista disso não reclamavam da sorte. Todos, bem ou mal, estavam empregados. Até a Tatiane, a caçula da família, com apenas dezoito anos, trabalhava como doméstica. Dado ao seu gênio manso e comunicativo, era muito benquista na casa dos seus patrões. Sendo moça de rara beleza física, a mãe não se cansava de adverti-la sobre os cuidados que deveria tomar quanto aos moços, filhos dos donos da casa onde trabalhava. Mas ela sossegava sua adorada mãe de que não se preocupasse. E a mãe confiava nela. Afinal, fora sempre a mais ajuizada dos três filhos. Desde menininha já sabia ter boas ideias. O senso de moral e de justiça acompanhara-a na sua trajetória de vida.

– Né, mãe, quando eu for grande vou ser uma moça bonita igual à filha da dona Gema lá da vila. Afinal, temos o mesmo nome. Ela também se chama Tatiane. Vou ter tudo bonito, mas, também, muito estudo.

E dona Bina concordava com ela, mas, torcia para que a filha não fosse tão levada quanto o era a filha da dona Gema. Sendo de família humilde, logo se tornaria mãe solteira. Com os costumes “avançados” de hoje! ...hahaha, era muito difícil!

Mas a sua Tatiane seria diferente. Assim esperava. Embora no olhar lhe caminhasse o deslumbre sonhador do advento do terceiro milênio, denotava, também, o toque de uma rara inteligência. Seus olhos sempre estavam voltados para o futuro. Desde cedo sabia o que queria. Esse “saber” não descartava nem o romance, nem as festas. Mas, dentro desse comprometimento, ainda menina, parecia já saber que ela queria. Se ela pretendia levar adiante o desejo de mudar os ponteiros do rumo ora projetado como indicativo da vida de pobreza que seus pais podiam oferecer-lhe, teria que ter os pés no chão e munir-se de cuidados e muita força de vontade.

– Se tem água, vou tomar uma ducha e trocar de roupa, disse Miraldo, logo que pôs o pé na soleira da porta. Estou todo molhado e muito cansado.

– Vai, meu velho. Tem água, e sua roupa já está pronta no banheiro.

– Já estão todos em casa?

– Só o Nelson não veio ainda.

– Deve vir logo, disse o pai. Com licença, vou tomar banho.

– A bóia já está esquentando, falou ela quase gritando para o marido que entrara já no banheiro..

Miraldo foi até o banheiro fazendo um trilho de pingos que a roupa molhada deixou pelo assoalho.

O Nelson chegou enquanto o pai estava tomando banho. Jantaram juntos. Pouco mais foi falado. Depois todos se recolheram para o merecido descanso, pois, ao amanhecer, a novela pela sobrevivência repetiria o mesmo capítulo.

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 14/10/2009
Reeditado em 21/09/2012
Código do texto: T1865134
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