Biscoitos

Nos anos 60, fumar era moda,

Quem não tragava não entrava na roda.

Orgulhoso o jovem, no bolso, exibia:

Minister, Carlton e o que de igual havia:

Wembley, Urca, Astoria, Vila Rica.

Quem não aderisse, era chamado ¨marica¨.

No armazém de meu pai, o estoque era farto.

E às vezes um maço chegava em meu quarto.

E lá ficava, escondido, até emergir afinal,

nas tertúlias, nos bailes e no carnaval.

Iam sempre comigo os 20 soldados,

à espera de serem totalmente queimados,

E voltavam incólumes, sem nenhum arranhão,

não entendendo porque não entraram em ação.

Mal sabiam eles que eu só os levava,

para bem me exibir com aqueles que andava.

Um dia ou outro, dos 20 soldados, alguns não voltavam prá casa.

Dois ou três se perdiam e tinham os pés queimados em brasa.

O restante do exército era então descoberto por D. Nelsina, mãe caprichosa,

Que cheirava as roupas e dizia orgulhosa:

- Renato não fuma e por nenhum cigarro nunca foi afoito.

Por precaução, escondia o restante e me oferecia biscoito.

E assim se seguiu, desde quando criança: biscoito Maria, biscoito Maizena, uma doce lembrança.

Na merendeira, no lanche da tarde, e à noite, com leite,

Nos piqueniques, nas pequenas viagens, como simples deleite.

Sem imposição, e com convicção, a todos eles me afeiçoei.

Importado ou nativo, a todos amei.

E surgiram os chiques, de dupla camada, com creme no meio.

Chocolate, baunilha, côco, limão, faziam o recheio.

Nos anos 70, o mundo fervia e a vida mudava.

E em todos os sítios, a droga chegava.

Cocaína, maconha e LSD, passavam bem perto, faziam cabeças, tal qual não se vê.

Minha mãe avisava: cuidado com as drogas e nestas não caia.

A saída é difícil, é viagem sem volta. Não é sua praia.

Vi colegas partirem, em busca do nada, com sonhos vazios.

Fiquei com o biscoito. Prefiro os mais doces, e os mais macios.

Hoje a oferta nos enche os olhos, mas muitos dispenso, em nome dos bons.

Maizena da Adria, Oreo e Negresco.

E os Disquinhos da Kebis (em todos os tons).

Cada qual a seu tempo, com calma e paciência, um a um, pouco a pouco, em perfeita sequência.

O Negresco é para um dia muito especial.

Deve ser retirado, com zelo e com calma, como em um ritual.

Degusto o recheio de olhos fechados, sentindo o aroma e sem o mastigar.

Depois vou às bandas, docemente amargas, em leve respirar.

O mesmo se aplica ao chique Oreo, mas não ao Maizena,

pois este merece maior atenção.

Deve ser ingerido, milímetro a milímetro, em toda extensão,

Com muito cuidado, sem nenhuma pressa e com muita elegância,

Pois deixa na boca o sabor do amido e o cheiro da infância.

Quanto aos Disquinhos, não é preciso escolher,

Pois qualquer um que venha, um prazer há de ser,

Dentre todos sabores, prefiro o de queijo,

Por ser natural, se assemelha a um beijo,

E é grande desperdício comê-los de vez,

É desrespeitar quem muito bem os fez.

Prefiro ir roendo, beirada a beirada, girando-o na mão,

Na esperança que ele, com pena de mim, não acabe não.

Nesta prosa tão simples e em tom de seresta,

Tentei explicar, de forma honesta,

Porque escolhi, dos oito aos dezoito,

Dentre todas as drogas, o nobre biscoito.