A Choupana 

 

Em meio à destruição, ao longe, só tinha sobrado uma choupana velha, com suas estacas de madeira agora úmidas por conta da chuva. O único lugar, escondido no meio da mata, que Guilherme encontrou para se abrigar do forte sol do meio-dia. 

 

Assim, adentrou pela porta de madeira maciça, enquanto o ranger da madeira se espalhava por todo o cômodo, que parecia antes ter sido uma cozinha. Meio fora de si, só queria uma chance de se abrigar. Ou fugir, sem ao menos saber ao certo do quê. 

 

O lugar parecia ter sido abandonado há pouco tempo. Havia panelas jogadas pelo chão e espalhadas por cima das bancadas. Uma camada de pó e terra cobria tudo ao redor. Confuso, Guilherme puxou uma das cadeiras, balanceou, e se sentou. Atordoado por tudo o que vira, sentia o cansaço pesando-lhe as pálpebras, o suor que escorria por sua pele de oliva queimada pelo sol. 

 

Ali dentro da choupana estava ainda mais quente do que lá fora. Debruçado sobre a mesa, o tempo parecia ter parado. Até que sentiu um cheiro de café inundando o ar e assim levantou a cabeça. Com as mãos ainda escondendo as faces, percebeu uma presença perto de si. Aquilo não lhe era estranho. Quando tirou as mãos do rosto, viu que Mabelle estava ali. 

 

As cores roxa e azul do vestido dela perturbaram-lhe um pouco. Sua imagem parecia estar envolta em uma névoa e de frente a ela, uma xícara de café, a fumaça subindo em grandes círculos no ar. Era Mabellle, ele não podia acreditar. Confuso com a imagem que via, notou que havia uma xícara de café na sua frente também. 

O aroma da bebida lhe envolvia, lhe convidava... há tempos que não sentia algo assim. Tomou um gole e depois outro. Encarou Mabelle, que parecia não o notar ali. Envolta pela fumaça que saía de sua xícara, seus cabelos dourados pareciam acinzentados. Sua pele mortificada, cinzenta, arroxeada. Pálida como um dia cinzento e chuvoso. 

 

Enquanto isso, a atmosfera se tornava cada vez mais pesada e confusa, tomada pela fumaça do café. Se tudo aquilo era realidade ou fantasia, ele não sabia dizer. Algo então o fez se debruçar, tomado talvez pela angústia ou tristeza. Gotas de lágrima ou suor caíam de seu rosto. Até que um sussurro saiu de sua boca: 

-Eu falhei, Mabelle... era para eu ser o herói dessa história, mas falhei... 

 

Mabelle continuava envolvida com sua xícara, a fumaça subindo pelo seu rosto. Sorvendo gole após gole. O tempo parecia ter parado, enquanto Guilherme sussurrava: 

-Eu fracassei... me perdoe se eu fracassei... por todos os meus erros... não quero olhar para os meus fracassos... 

 

Mabelle continuava parada, seu olhar vago a contemplar o vazio. 

 

Barbosa então levanta o rosto num desespero, e grita em meio às lágrimas: 

 

-Mabelle, por favor... me tira daqui... 

 

O rosto sujo de terra, os óculos embaçados, as mãos perdidas... a atmosfera cheia de poeira, uma movimentação começou a acontecer... Mabelle começa então a desaparecer... suas faces pálidas vão perdendo a cor. Parecia-lhe que, quanto mais sua angústia aumentava, mais Mabelle desaparecia no ar. Até que ela se tornou um borrão, vapores se misturando à poeira do ar. Barbosa ficou parado olhando Mabelle desaparecer mais uma vez. Vagarosamente, deixando-o hipnotizado, encantado pela visão que via. Fumaça e vapores se diluindo enquanto o torpor aumentava. O calor só dobrava. 

 

As xícaras também desapareceram. Que sentido tinha aquilo? Qual o significado daquilo tudo? Sonho ou ilusão? 

 

Subitamente, Guilherme percebeu que precisava sair dali. A fumaça, o calor, os vapores... tudo ali deixava-o confuso. Uma bagunça de sentimentos. Com os óculos embaçados, não conseguia enxergar quase nada. Percebeu um redemoinho a lhe envolver o corpo. Tateando, com os olhos fechados, encontrou sua mochila no chão. Colocou-a pesadamente sobre as costas. Notou que esquecera o fuzil em algum lugar. Mas já era tarde. 

 

Tateou apressadamente em busca da saída. Alguns tropeços depois, sentiu o batente da porta. Saiu, sentindo os raios do sol queimarem sua pele. Ali a poeira já baixava. Subitamente, avistou ao longe alguns camaradas a cavalo, que ao verem-no assobiaram. 

 

Guilherme deu então uma última olhada para trás, e a passos largos e apressados correu logo para sair dali.