Camélias para Marília; tulipas para Horácio
Marília tinha uns olhos ardidos, de chorar com uma certa frequência
Sempre que alguém a pressionava para tomar uma decisão
“Tulipas ou camélias?” perguntava o florista impaciente
Enquanto ela se avermelhava e se recompunha veloz
Como um acordeão, que se esparrama e se comprime.
Na sua ânsia de não incomodar, causava ela um incômodo
Segurando no colar de prata que a mãe lhe dera
O cordão quase a arrebentar, tamanho agarrar que a mão lhe impunha
Marília se agarrava nas beiras da vida para não ser levada por si mesma.
Marília tinha uma graça contida, um esforço para se fazer opaca
E não chamar muita atenção; Marília se desconcertava consigo mesma
Em circunstâncias onde ela pudesse ser percebida
Como uma mulher que habita delicadamente o seu íntimo,
Como uma abelha habita o estame de uma flor desabrochada.
Marília tinha um pudor delicioso de assistir — ela não intuía sua potência.
Horácio tinha um olhar intrépido, interrogativo, incrédulo
Conversando com o verdureiro sobre as mais diversas bobagens
Horácio sempre reticente e não obstante sonhador, desengonçado para a vida.
Horácio falava para os camaradas das suas teorias mirabolantes
De que os cérebros humanos seriam substituídos por máquinas
E o amor seria um microchip que poderíamos inserir e remover a qualquer instante.
Horácio apreciava uma boa prosa, e falava pelos cotovelos
Frequentemente lhe acometia uma nostalgia, cantarolando baixinho as canções que o pai lhe ensinara
Para ele eram insuportáveis os silêncios, as contemplações
Pois ele era desconfortável em si mesmo, como o cão que diariamente corre atrás do rabo
E diariamente se espanta.
E enquanto Marília murmurava sobre tulipas ou camélias
E Horácio se despedia do verdureiro, na frente da floricultura eles se esbarraram
Ele incauto, ela irresoluta
Ela disse “pode passar, ainda não estou bem certa”
Ele lhe perguntara qual o dilema já e emendara: “a ti adornam melhor as camélias”
“Por que diz isso?” Ela perguntou aturidda
E ele não soube dizer por que é que ela tinha um quê de camélias, respondendo apenas: “pois então levo eu as tulipas”
Ao que ela disse: “a ti realmente casam melhor as tulipas”
E, seguida a recíproca, também ela não soube explicar por que é que ele tinha um quê de tulipas.
Nas frestas do que não sabiam ainda como dizer: eles foram, pela primeira vez, naquele dia, Marília e Horácio.