Espanto

Abro o pote, pego com cuidado. Açúcar. Meu coração lacrimeja um pouco, inteiro escorrendo. Ninguém sabe, tremo. Num sem querer espasmo, ele se recusa a cair na xícara, fragmenta, pulveriza, derrama, revolve em meu colo como poeira cristal.

Hoje foi difícil achar um momento sozinho, sozinho até de mim, e quando não tem isso, a regulação, sinto a pressão do céu e das coisas inchando, ocupando sem fugir. Do contrário, assim que tenho a quietude, me assombro em esquecer, em querer de volta a bagunça.

Me acalmo lendo outra vez aquela parte em que fala de Diadorim, meu mantra diário. Me vejo agarrando em pedaços o mundo, me decifrando pelas palavras outras, alheias. Adivinhosas.

"O nome de Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em mim. Me abracei com ele. Mel se sente é todo lambente – “Diadorim, meu amor...” Como era que eu podia dizer aquilo? E como é que o amor desponta. Coração cresce de todo lado. Coração vige feito riacho colominhando por entre serras e varjas, matas e campinas. Coração mistura amores. Tudo cabe."

Leio mais uma vez, e de novo, quase chorando. É mesmo lindo. Penso que nunca vão esgotar as formas de falar eu te amo, mas eu tentaria, tentaria mesmo. Penso que enquanto vida existir, a criação e a loucura darão conta de gritar e recolher de volta, e juntar, e dizer, e falar na mente, e ser ideia-sentimento.

Se me ouvisse, eu diria que sua voz é marca, carimbo nunca apagante. Sairia vagando por aí a te espalhar pelos muros e ruas, mensagem, camada fina de beleza e alegria acesa.

Olhariam todos perguntantes, mal sabendo ver, mal sabendo ver.

Sinto a minha forma desagregar do meu corpo que nem o açúcar que derrubei antes. Lembro das lágrimas secas na minha camisa, lembro do cachorro ainda pequeno, tremendo num ganir de medo, escondido embaixo de minha cadeira. E eu, assim como o cão, me escondia debaixo de mim, da minha pele.

Lembro de pensar que Deus havia me esquecido. Escuto as luzes sirenes vermelhas, minha irmã chorando, lembro de não ter coragem, lembro de não saber mais como iam ser as coisas. E de fato, a ordem comum nunca mais se fez, uma coisa outra se estabeleceu no lugar.

Percebo o esquecer do meu nome, percebo o espelho como a única lembrança das minhas linhas emoldurantes da face.

Só sei que existo porque me vejo.

Só sei que existo porque me vejo.

O ano acabou já há alguns dias, amargo.

mas o mistério de mim continua.